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Publicado em: 02/02/2017
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Sofosbuvir: medicamento renova esperanças contra o vírus da Zika

Por Ascom Faperj*

 A proteção contra o vírus Zika pôde ser observada mesmo quando as
células foram submetidas a altos níveis virais. (Foto: Gutemberg Brito)

Um medicamento adotado no tratamento da hepatite C pode ser a resposta contra a infecção do vírus Zika. Como atestaram os cientistas que integram o grupo de várias instituições unidas no esforço da pesquisa, o antiviral sofosbuvir mostra acentuada ação contra o vírus, capaz de inibir sua replicação e impedir a morte celular provocada pela infecção. Esse efeito foi observado em testes com diferentes tipos de células, incluindo células neuronais humanas e minicérebros – que é como são chamados os organoides produzidos a partir de células-tronco que reproduzem os estágios iniciais de formação do cérebro e são considerados um modelo para o estudo da microcefalia associada ao Zika.

O estudo foi realizado por pesquisadores do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS/Fiocruz), Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), Instituto de Tecnologia de Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz), Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Inovação em Doenças Negligenciadas (INCT/IDN) e consórcio BMK, formado pelas empresas Blanver Farmoquímica, Microbiológica Química e Farmacêutica e Karin Brüning. A pesquisa, que recebeu recursos tanto do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) quanto da FAPERJ, teve seus resultados publicados nesta quarta-feira, 18 de janeiro, na revista científica internacional Scientific Reports.

O ponto de partida do estudo foi a semelhança observada entre o vírus da hepatite C e a linhagem do vírus Zika em circulação no Brasil. Ambos os patógenos fazem parte da família Flaviviridae e apresentam similaridades em algumas de suas estruturas. Uma delas é a enzima RNA polimerase, responsável pela replicação do material genético do vírus. Foi exatamente essa semelhança que motivou os pesquisadores a testarem o medicamento também contra o Zika. É também exatamente essa enzima o alvo da ação do sofosbuvir. Os cientistas levaram em conta ainda o fato de que, comparado a outros antivirais, o sofosbuvir mostra reduzidos efeitos colaterais em pacientes com hepatite C, além de apresentar ausência de prejuízos para a gestação, como se pôde ver em estudos de modelos animais.

Segundo Thiago Moreno Lopes Souza, pesquisador do CDTS e coordenador do estudo, embora somente depois de novas investigações seja possível realizar ensaios com pacientes infectados pelo vírus Zika, os primeiros resultados já indicam que o sofosbuvir tem potencial para se tornar uma opção no tratamento. “O fato de uma droga que já foi clinicamente aprovada também ter ação identificada contra o vírus Zika é um dado importante. Como ainda não sabemos quando teremos uma vacina disponível contra o Zika, poder usar um medicamento antiviral para reduzir os danos provocados pela infecção é fundamental. Dependendo dos resultados futuros, o tratamento poderia até ser considerado como medida profilática, como ocorre, por exemplo, no uso de certos medicamentos antirretrovirais no caso do HIV”, afirma o pesquisador.

Como os resultados obtidos nos experimentos com diferentes linhagens celulares foram positivos, os pesquisadores decidiram testar o sofosbuvir também em modelos mais semelhantes aos cérebros de bebês afetados pelo vírus Zika durante a gestação. Os experimentos foram realizados tanto com células-tronco neurais de pluripotência induzida – produzidas em laboratório a partir de células humanas extraídas da pele – quanto com minicérebros. Como explicam os pesquisadores, as células-tronco neurais de pluripotência induzida são semelhantes às células precursoras, que originam os principais tipos celulares do cérebro no início do desenvolvimento dos embriões. Já os minicérebros, produzidos a partir dessas mesmas células, são organoides que reproduzem a estrutura tridimensional do cérebro do feto nos primeiros meses da gestação, com a presença de diferentes tipos celulares.

Imagens de microscopia mostram que o medicamento protege as células contra o vírus Zika. Em sentido horário: no alto à esquerda, células-tronco neurais antes da infecção; do lado direito, morte celular é provocada pela infecção; abaixo à direita, concentração baixa de sofosbuvir (de 2μM) evita parcialmente a morte da células; abaixo à esquerda, em concentração maior (de 10μM), sofosbuvir protege completamente as células (Crédito: Sacramento, C. Q. et al)


Realizados em parceria com os pesquisadores do Instituto D’Or de Ensino e Pesquisa (Idor), que desenvolveram os modelos de estudo, os cientistas verificaram que, nos testes de infecção experimental, o sofosbuvir conseguiu reduzir drasticamente a replicação do vírus Zika tanto nas células-tronco neurais, quanto nos minicérebros, protegendo-os dos danos provocados pelo patógeno. “Vimos que houve proteção mesmo quando as células foram submetidas a níveis elevados de vírus. Considerando que os organoides cerebrais são um modelo para o estudo da microcefalia associada ao Zika, a atividade antiviral detectada é uma forte demonstração do potencial do medicamento”, destaca Lopes Souza.

Para o neurocientista Stevens Rehen, do Idor e da UFRJ, “a pesquisa é uma importante descoberta brasileira”, e poderá futuramente ajudar a reduzir as consequências da infecção nos bebês em desenvolvimento. "Nosso modelo de minicérebros humanos permitiu caracterizar os efeitos do sofosbuvir. O medicamento provou ser capaz de evitar, de modo bastante satisfatório, a multiplicação do vírus Zika e a morte de células neurais humanas”, afirma.

Testes bem-sucedidos 

O potencial de ação do sofosbuvir sobre o vírus Zika foi avaliado de diversas formas. Em um dos testes, a RNA polimerase do vírus Zika foi purificada para verificar se a forma ativa do fármaco seria capaz de bloquear sua ação, da mesma forma como ocorre com a RNA polimerase do vírus da hepatite C. O resultado dos ensaios confirmou a hipótese. Dando continuidade ao estudo, os cientistas ainda verificaram que o sofosbuvir provoca tantas mutações no genoma do vírus da Zika que a multiplicação viral se torna inviável. Com isso, a droga é capaz de proteger as células de um processo chamado de patogênese viral.

Segundo Lopes Souza, diversas linhagens celulares, que com frequência são utilizadas em estudos de virologia, foram testadas. “Uma vez que os modelos para estudo do vírus Zika ainda não estão completamente estabelecidos, testamos diferentes linhagens celulares e escolhemos aquelas nas quais o vírus conseguiu se replicar, provocando claramente o efeito citopático, ou seja, em que houve danos às estruturas celulares. A ação mais potente do sofosbuvir foi observada nas células hepáticas e neuronais humanas”, frisa o pesquisador.

Testado em quatro diferentes tipos de células infectadas pelo vírus Zika, o sofosbuvir inibiu a replicação do patógeno em três delas: uma linhagem de células neuronais humanas, chamada de SH-Sy5y, uma linhagem de células hepáticas humanas, conhecida como Huh-7, e uma linhagem de células de rim de hamster, identificada como BHK-21. Já durante os testes em uma linhagem de células de rim de macaco, que recebe o nome de Vero, não foi observado efeito do medicamento na inibição da replicação viral.

Como afirma Lopes Souza, a ausência de efeito do antiviral nas células Vero pode ter diferentes explicações. “Isso ainda não foi investigado, mas é possível que o sofosbuvir não consiga penetrar nessas células ou que, dentro delas, ele não seja convertido na sua forma ativa, o que é necessário para sua atuação. Também é possível que as células Vero tenham algum mecanismo para eliminar o fármaco, impedindo a sua ação”, pondera.

Outro ponto a ser destacado é que a parceria entre os diferentes grupos de pesquisa foi considerada essencial para os resultados obtidos. “Diversos laboratórios contribuíram com as suas áreas de experiência, produzindo rapidamente um resultado importante. A colaboração traz mais respostas e mais qualidade para a pesquisa”, afirma Eduardo Volotão, pesquisador do Laboratório de Virologia Comparada e Ambiental do IOC, que realizou a concentração e a purificação das amostras de vírus Zika empregadas no estudo. No IOC, os Laboratórios de Imunofarmacologia, de Flavivírus e de Vírus Respiratório e do Sarampo também colaboraram com o trabalho.

Para os cientistas, o fato de o sofosbuvir ser um medicamento já aprovado para uso em pacientes facilita o avanço da pesquisa. “Geralmente são necessários anos para um fármaco sair da fase de estudos pré-clínicos e chegar aos ensaios com pacientes. Como o sofosbuvir já passou pelos testes de segurança e foi aprovado para uso contra a hepatite C, esse processo pode ser bastante acelerado”, diz Thiago.

Sofosbuvir x hepatite C

Fármaco inovador, lançado em 2013, o sofosbuvir chegou ao Sistema Único de Saúde (SUS) para tratamento da hepatite C em dezembro de 2015. Como a maioria dos antivirais, ele não está disponível nas farmácias e sua utilização só poder ser feita com acompanhamento médico. No tratamento da hepatite C, ele é indicado em associação a outros antivirais. Na comparação com as terapias anteriormente empregadas, suas vantagens incluem o aumento das chances de cura, a redução dos efeitos colaterais e a possibilidade de administração por via oral. Em maio de 2016, a Fiocruz e o consórcio BMK assinaram um acordo para produzir o remédio no Brasil. 


* Com informações da Assessoria de Comunicação da Fiocruz

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