O seu browser não suporta Javascript!
Você está em: Página Inicial > Comunicação > Arquivo de Notícias > Escritas de si: diários como forma de superação
Publicado em: 09/06/2016
ATENÇÃO: Você está acessando o site antigo da FAPERJ, as informações contidas aqui podem estar desatualizadas. Acesse o novo site em www.faperj.br

Escritas de si: diários como forma de superação

Danielle Kiffer

Uma das organizadoras da exposição, Lucy Deccache 
(de verde), posa para a foto com 
Daniele (à dir.) e
alunos da universidade
. (Fotos: Reprodução do site) 

“Escrever um diário é o mesmo que lançar uma garrafa com uma mensagem ao mar”. A frase, do autor Philippe Lejeune, descreve um pouco do que representam os escritos pessoais, relatos de rotinas, experiências, expectativas, e que, muitas vezes, têm efeito terapêutico e podem ganhar notoriedade. Maura Lopes Cançado (1929-1993), Carolina Maria de Jesus (1914-1977) e Walmir Ayala (1933-1991), três importantes autores brasileiros, ainda que desconhecidos do grande público, colocaram suas almas no papel e usaram sua escrita como um espaço de expressão de suas emoções, de resistência e sobrevivência às dificuldades que tiveram que enfrentar: Maura escrevia para sanar a dor da loucura; Maria Carolina, para enfrentar a miséria; e Walmir, para vencer o preconceito por sua homossexualidade. Com base nos diários desses escritores, a jornalista Daniele Ribeiro Fortuna, doutora em Literatura Comparada, professora do programa de Pós-Graduação em Humanidades, Culturas e Artes da Universidade do Grande Rio (Unigranrio) e Jovem Cientista do Nosso Estado da FAPERJ, desenvolveu sua pesquisa, analisando as obras e o impacto de um diário na vida de uma pessoa. “Maura, Carolina e Ayala tinham vidas distintas, mas muitas coisas em comum. De alguma forma, eram pessoas excluídas da sociedade, produziram suas principais obras nos anos 1950 e todos eles tiveram talento suficiente para usar o texto como um espaço de expressão de suas emoções, de resistência e sobrevivência às dificuldades que tiveram que enfrentar”, explica Daniele.

Uma das autoras mais conhecidas do trio, Maria Carolina de Jesus, a catadora de papel da favela do Canindé, zona norte de São Paulo, apesar da extrema pobreza, com três filhos para sustentar, nunca deixou de escrever. De acordo com a pesquisadora, seus escritos são extremamente raros na literatura brasileira, por se tratar de uma autora que tinha uma vida de escassos recursos financeiros. “Ela escrevia em cadernos que achava no lixo. Neles, fazia os registros do seu dia a dia, com sensibilidade e propriedade singulares”, analisa. A fome é um tema recorrente em seus relatos, como podemos ler em um trecho de seu livro mais conhecido, Quarto de Despejo: “A tontura da fome é pior do que a do álcool. A tontura do álcool nos impele a cantar. Mas a da fome nos faz tremer. Percebi que é horrível ter só ar dentro do estômago.”

Contudo, mesmo enfrentando todas essas dificuldades, Carolina seguiu em frente e criou seus filhos sozinha, instruindo-os da melhor forma possível. “Ela era uma mulher à frente do seu tempo. Dizia que não queria se casar, pois imaginava que nenhum homem entenderia sua paixão pela escrita e ela também não abria mão de sua liberdade. Além disso, sempre estimulou seus filhos a estudarem e insistia com eles sobre a importância da leitura e da arte”, diz Daniele. Para a pesquisadora, a escrita de Carolina, apesar de todas as dificuldades que enfrentava, tinha uma dose de humor. “Ela sabia ser sarcástica e tinha uma visão muito clara e crítica acerca da política e do mundo. Sua narrativa é muito forte, o que nos leva a imaginar, quase a vivenciar tudo o que ela escreve.”

Na mostra da Unigranrio, um dos trabalhos dos alunos
se
 baseia na obra do poeta e romancista Walmir Ayala

Maura Lopes Cançado também era uma mulher visionária. Casou-se com 14 anos, separou-se aos 15 e logo depois deixou o interior de Minas Gerais para viver no Rio de Janeiro. Aos 18 anos, pediu para ser internada em um hospício e essa foi apenas uma das vezes que teve que enfrentar a dura rotina vivida em uma instituição psiquiátrica. “Nos seus relatos da internação, Maura consegue manter o senso de humor e a autoestima. Ela escreve que estava apaixonada por um médico a quem ela chamava Doutor A. e relata que dançava para os funcionários. Mas ao mesmo tempo também descreve momentos fortes de maus tratos e muito sofrimento”, conta Daniele. Maura chegou a trabalhar como jornalista no suplemento dominical do Jornal do Brasil. Um de seus livros mais importantes é Hospício é Deus.

Já o jornalista Walmir Ayala era o mais metafórico dos três. A pesquisadora acredita que ele era assim por ser homossexual e não ser comum, naquela época, que se abordasse o tema abertamente. “Em seus diários, ele escreve muito sobre a morte. Ele tem uma história trágica, tendo que conviver com a perda desde muito cedo, já que sua mãe faleceu quando ele tinha quatro anos de idade”, explica. Seus livros baseados em diários são: Diário I – Difícil é o reino e Diário II – O visível amor.

Para Daniele, escrever um diário é como deixar uma marca no mundo e, com base em sua pesquisa, uma forma de superar as dificuldades. Por isso, ela tem desenvolvido oficinas entre seus alunos da faculdade, o que resultou em um blog (http://escritasdesi.comunicacaoeliteratura.com), e entre os alunos participantes do projeto de Educação de Jovens e Adultos (EJA), que leva o ensino médio a todos que não tenham a possibilidade de cursá-lo de forma presencial. “A Maria Carolina, por exemplo, passava fome, estudou muito pouco e é uma pessoa que uso para quebrar o estereótipo de que a escrita não é para todos”, fala.

Em maio, junto com a professora Lucy Deccache, Daniele organizou a Expo Diário, no campus da Unigranrio. Alunos de Jornalismo e Publicidade da universidade apresentaram seus trabalhos com base na pesquisa desenvolvida, somando à Maura, Carolina e Walmir, os diários de Anne Frank e Cris Guerra.

Compartilhar: Compartilhar no FaceBook Tweetar Email
  FAPERJ - Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
Av. Erasmo Braga 118 - 6º andar - Centro - Rio de Janeiro - RJ - Cep: 20.020-000 - Tel: (21) 2333-2000 - Fax: (21) 2332-6611

Página Inicial | Mapa do site | Central de Atendimento | Créditos | Dúvidas frequentes