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Publicado em: 20/04/2016
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Crescimento em surdina: aumenta o número de terreiros em S. J. de Meriti

Vilma Homero

Número de terreiros cresce proporcionalmente ao aumento da população

É uma tendência de crescimento que acontece em surdina, sob o manto da discrição. Ao contrário do que imagina o senso comum, o número de terreiros se expande, instalando-se cada vez mais nas periferias das grandes cidades. No município de São João de Meriti, Região Metropolitana do Rio de Janeiro, 250 casas foram cadastradas no I Censo das Casas de Religiões de Matrizes Africanas, embora os coordenadores da iniciativa estimem que, em toda a Baixada Fluminense, esse número deva chegar a cerca de cinco mil. “Vimos que, há décadas, o número de terreiros vêm crescendo proporcionalmente ao aumento  da população”, afirma José Geraldo da Rocha, professor do programa de pós-graduação em Letras e Ciências Humanas da Universidade do Grande Rio (Unigranrio). Junto com a professora Cleonice Puggian, da mesma universidade, ele coordenou o projeto, que, com recursos do edital Apoio a Projetos de Pesquisa na Área de Humanidades, da FAPERJ, colocou uma equipe nas ruas, entre 2012 e 2014, para mapear o número de casas de culto em São João de Meriti.

Segundo os dados do Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2000, apenas 0,3% da população brasileira professava as religiões de matrizes africanas. A mesma fonte apontava que, naquele ano, no Rio de Janeiro, esse número era de quase 190 mil adeptos. Para Rocha, no entanto, esse dado está bastante defasado. “Como ainda hoje vivemos em uma sociedade em que se verificam atitudes de preconceito, discriminação e intolerância, essas cifras estão num contexto em que os praticantes de religiões de matrizes africanas passam por um sistema de negação. Afinal, afirmar-se como adepto do candomblé ou da umbanda é também colocar-se numa esfera de não reconhecimento e aceitação social. E os indivíduos não querem ser estigmatizados na hora de responder ao Censo do IBGE”, afirma o professor.

Ele observou que, na Baixada – ao contrário do que dizia o IBGE –, a presença dessas expressões religiosas era bastante perceptível na vivência cotidiana. “Há cerca de dez, doze anos, em um encontro organizado pelo Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (Ceap), em Seropédica, outro município da Baixada, esperávamos encontrar  cerca de vinte participantes, representando as casas de culto da região. Mas nos surpreendemos ao chegar e nos depararmos com mais de 200 pessoas, todas de terreiros diferentes”, conta Rocha. Para ele, essa foi uma pista importante para mostrar que, com pesquisadores treinados para identificar os símbolos religiosos e fazer as perguntas adequadas, o número de adeptos dessas religiões seria bem maior. Exatamente como aconteceu durante o desenvolvimento do projeto.  

Tenda de umbanda da Tia Minda foi
um dos terreiros visitados no Censo

“Para nortear os rumos da pesquisa, começamos por localizar os terreiros através de um processo de amostragem. Em reuniões com lideranças religiosas, pedíamos que elas indicassem outras casas de que tivessem conhecimento nas proximidades.” A exemplo do que constatou um dos membros da equipe de Rocha, encarregado de entrevistar uma certa yalorixá, esse boca a boca revelou um número bem maior de terreiros do que o previamente imaginado. “Como sempre, essas casas ficam nas periferias das periferias. Seguindo indicações de moradores, ele acabou passando por seis outras casas de santo antes de chegar àquela que havia se proposto visitar. Em outras palavras, em vez de um, descobriu seis terreiros diferentes. E não foi apenas em um bairro que algo semelhante aconteceu”, declara o pesquisador.  Assim, em contrapartida aos 49 terreiros cadastrados pelo Censo de 2000 do IBGE no município meritiense, a equipe de Rocha visitou e entrevistou os responsáveis por 250 casas de santo naquela cidade. “Ou seja, um número cinco vezes maior.”

Como a Baixada Fluminense é caracterizada pelo baixo poder aquisitivo da população, essas condições socioeconômicas acabaram contribuindo para que as pessoas buscassem na religião soluções para seus problemas. “Talvez essa também seja uma das explicações para o crescimento das inúmeras igrejas de denominações cristãs, sobretudo as neopentecostais, o que acabou desencadeando naquela região uma avalanche religiosa, tornando os conflitos com os adeptos das religiões de matrizes africanas cada vez mais evidentes”, reflete Rocha.  O que começou com “exercícios de conversão” pelo convencimento, com o passar do tempo transformou-se na desmoralização dos membros das religiões afro e até em agressões verbais e físicas, assim como na depredação dos terreiros.

Em resposta a essas situações de hostilidade e intolerância, houve um proporcional aumento da organização e mobilização desses setores da sociedade, para fazer valer o direito à liberdade religiosa, assegurado pela Constituição. “São situações desse tipo que fazem os membros das várias religiões virem a público. Como repúdio, houve várias manifestações de protesto, como caminhadas em defesa da liberdade religiosa, fóruns de debates e seminários”, afirma Rocha, citando como exemplo a mobilização que, em 2009, levou mais de dez mil pessoas em uma caminhada pela orla de Copacabana, para afirmar o direito à liberdade de religião.

Segundo Rocha, “as casas de santo costumam ser um lugar de convivência solidária”. Assim como são responsáveis por manter a casa aberta e funcionando, seus integrantes se organizam para trabalhos conjuntos, seja para a construção de um barracão, por exemplo, ou para se ajudarem uns aos outros. “Em um dos terreiros, funciona uma rádio comunitária com serviços direcionados à comunidade. Em outro, costuma haver oficinas para se ensinar o uso tradicional de ervas medicinais. Também são comuns as campanhas de arrecadação de roupas e brinquedos para distribuição entre os moradores locais”, exemplifica. Para ele, todas essas iniciativas demonstram a inserção dos terreiros na vida cotidiana da cidade. 

Além disso, os ritos religiosos reforçam o compromisso de seus membros com a casa. Há cerimônias de confirmação a intervalos de um, três, cinco e sete anos, as chamadas “obrigações”. E após 21 anos de iniciação, uma grande festa marca a obrigação da “suprema” maturidade. “Mas já a partir dos primeiros sete anos de confirmação, o integrante terá elementos para abrir sua própria casa de santo”, afirma o pesquisador. O que, diga-se de passagem, acontece muito.

Entre a população que migrou da cidade do Rio de Janeiro para São João de Meriti, por exemplo, muitos terminaram abrindo novos terreiros. Da mesma forma, também é comum a ligação com terreiros de Salvador. “Afinal, São João de Meriti acolheu uma das mais tradicionais casas de candomblé da Bahia, o Ilê Apo Afonjá, casa-mãe que passou a contar com um terreiro aqui. Da mesma forma, muitos outros terreiros meritienses têm matriz em Salvador”, fala Rocha. Essa ligação termina ampliando a concepção de família, de pertencimento étnico entre as casas.

          

                 Babalaô Ivanir dos Santos (esq.), Leila Regina
             (ex-secretária de Direitos
Humanos de S.J. de Meriti),
             e os pesquisadores Geraldo Rocha e Cleonice Puggian

Por outro lado, como a sociedade brasileira sempre relegou os negros a uma situação de segundo plano, suas religiões também costumam, ainda hoje, ser vistas sob a ótica de crendices. “Nosso estudo nasceu justamente das inquietações relacionadas ao fenômeno da intolerância religiosa na contemporaneidade”, explica Rocha. "E o fato de existirem inúmeras casas de culto na Baixada Fluminense tem caracterizado a região como um espaço geográfico de multiplicação de conflitos, particularmente por parte de segmentos religiosos evangélicos, que têm atividades centradas no combate às religiões de matrizes africanas.”

Em seu trabalho, Rocha não faz distinção entre candomblé, umbanda, batuque ou tambor, nem entre as tradições de origem, sejam elas ketu, gege, nagô ou angola. “A intolerância é generalizada, estendida a todos os que professam as religiões dos orixás, rotulados genericamente como ‘macumbeiros’”, frisa o pesquisador. E prossegue: “Essa intolerância está relacionada à incapacidade de alguém em compreender crenças e práticas diferentes da sua e, consequentemente, admitir seu direito à existência. Ao assumir um caráter racial, essa intolerância vai se configurar como uma das faces mais abjetas do racismo brasileiro, que se manteve intacto ao longo da história, resistindo, inclusive, ao processo de democratização no País.”

Na Unigranrio, Rocha e equipe pensaram propostas de reflexão sobre o tema. “Procuramos a via da educação para propor discussões. Nesse sentido, várias táticas foram mobilizadas. Realizamos, junto com a Secretaria de Educação de São João de Meriti, dois seminários para debater essas questões, como forma de inserção desse segmento religioso no plano de direitos humanos na cidade. Promovemos também caminhadas contra a intolerância, em parceria com a Secretaria Municipal de Direitos Humanos, e procuramos traçar estratégias de combate a todas as intolerâncias, sejam raciais, de gênero ou homofóbicas, valorizando as riquezas das várias tradições e seus adeptos, buscando ainda ampliar a compreensão de como os terreiros estão presentes da vida da população”, explica. A equipe da Secretaria de Direitos Humanos e Superintendência de Promoção da Igualdade Racial organizou ainda uma feira literária, expondo obras de literatura afro-brasileira e trabalhos artísticos no universo da religiosidade. “Tornar conhecidos diferentes universos é também uma forma de permitir às pessoas acesso a diferentes formas de ler o mundo. E, assim, contribuir para que o respeito a essas diferenças as tornem imperativos no pensar os destinos da cidade”, conclui.

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