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Publicado em: 21/11/2013
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A força da voz das periferias brasileiras

Vilma Homero

 Reprodução

        
    Livro debate literatura marginal

Volta e meia, a periferia e seus moradores são tema de literatura. Mas, especialmente de uns tempos para cá, vários deles vêm trocando este papel pelo de autores de suas próprias histórias. E de vozes isoladas, eles vêm se consolidando num fenômeno, observado pelos críticos literários. Entra em cena a literatura marginal.

Em Escritos à Margem, Paulo Roberto Tonani do Patrocínio, professor do curso de pós-graduação em Literatura, Cultura e Contemporaneidade, da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio), procura exatamente acompanhar essa trajetória. Seu livro foi publicado com apoio do Auxílio à Editoração (APQ 3). "Na minha pesquisa para o curso de doutorado, na PUC, procurei mostrar como a literatura representa o espaço das favelas. Sempre houve na nossa literatura a figura do intelectual que volta seu olhar para o cotidiano das periferias, e que chamei de mediadores. Agora, são esses próprios moradores de espaços periféricos que falam desse universo a partir de uma visão interna", explica.

No primeiro caso, de mediadores, há exemplos como o de Orestes Barbosa, que antes de se tornar compositor conhecido foi jornalista, cujos artigos inflamados de cunho social lhe valeram duas temporadas na prisão. A prisão, por sua vez, acabou rendendo um livro, Na Prisão, em que conta o cotidiano do cárcere, seguido por Ban-Ban-Ban, sobre o mundo do crime e da malandragem. Outro é Antonio Fraga, que, na década de 1930, fala sobre o dia a dia da região do Mangue, em Desabrigo. Ou ainda João Antonio, paulistano que morou um tempo no Rio de Janeiro e que também situa suas histórias entre personagens do submundo. "Ao voltar o olhar sobre esses espaços, todos eles adotam uma relação de proximidade com o que mostram", afirma Tonani.

Também não é por acaso que Tonani se interessa pelo tema. Ele mesmo é nascido e criado na Rocinha, onde viveu até os 26 anos. "Certamente, esse traço biográfico me influencia", admite. Em seu livro, ele procura confrontar mediadores como esses com autores contemporâneos da periferia que escrevem sobre o que veem em seu próprio universo. Já houve anteriormente vozes marginais, como foi Carolina de Jesus, com seu Quarto de Despejo, e Ronaldo Alves ou Seu Inácio, ambos da Rocinha. Mas foram casos isolados. Só depois do sucesso editorial do Cidade de Deus, de Paulo Lins, que chamou a atenção do mercado para este tipo de literatura, que parece ter havido uma certa influência sobre esses autores, que passaram a procurar ser sua própria voz", explica.

No livro, Tonani se detém mais longamente sobre escritores paulistas, já que naquele estado esse movimento se configura mais forte, sobretudo a partir da publicação, pela revista Caros Amigos, de três edições especiais, reunindo escritores do gênero. "São escritores, como Ferréz, Sergio Vaz e Allan Santos Rosa, que usam a literatura para ampliar esse engajamento social", fala. Como explica o pesquisador, Ferréz, com três romances já publicados e um livro de contos, é mais prosador. Vaz se define mais como poeta, além de ser um dos fundadores da Cooperifa, enquanto Santos Rosa, além de poesia, já escreveu literatura infanto-juvenil e também uma peça teatral com forte entrada na afrobrasilidade. Tonani aponta ainda uma proximidade desse tipo de literatura com o movimento hip hop.

"Todos esses autores marginais representam o que está mais próximo, o cotidiano das favelas, buscando registrar a linguagem da periferia, para narrar temas e questões que, num segundo momento, podem não ser necessariamente marginais, podem ser mais abrangentes. Em seu último romance, por exemplo, Ferréz narra a história de um trabalhador de classe média baixa."

Para publicarem seus escritos, esses autores buscaram mecanismos próprios, se autofinanciando. "Foi, por exemplo, o caso de Allan Santos Rosa, que criou sua própria editora para também publicar outros escritores marginais. Cada livro tem uma concepção própria. Num deles, Rosa colocou na capa um búzio, para enfatizar a religiosidade afrodescendente presente na narrativa", cita. Ao se consolidar como movimento, os escritores marginais também conseguiram abrir brechas no mercado editorial comercial. De olho nesse mercado nascente, editoras, como a Global e a Aeroplano, lançaram selos específicos para abrigar esses escritores marginais. Isso interessa não apenas aos moradores das favelas, que podem ler sobre suas próprias vivências, mas também aos leitores das camadas médias, interessados em conhecer melhor outras realidades sociais.

"É também uma literatura engajada, querendo conscientizar leitores", afirma Tonani. E explica. "Em vários casos, vemos uma certa influência do hip hop, uma 'literatura de proveito', aquela em que o leitor pode tirar ensinamentos a partir dos exemplos daquela narrativa. Algo no estilo ‘mire-se nesse exemplo’, em que a partir de histórias sem glamour se exaltam exemplos negativos e sua penalização. E o autor se mostra conhecedor dessas armadilhas, algo bem parecido com letras do grupo Racionais MC’s."

No Rio de Janeiro, ele enfatiza a realização da Feira Literária Internacional das Periferias – cuja próxima edição acontecerá de 20 a 24 de novembro, em Vigário Geral – como forma de mostrar a importância dessa presença da literatura nas favelas e, ao mesmo tempo, um incentivo a esta produção. "A exemplo de São Paulo, no Rio também estão sendo realizados saraus literários em espaço abertos e democráticos, como a Biblioteca Parque de Manguinhos. Trabalhos apresentados ali foram reunidos em antologia publicada pela editora Texto Território, criada a partir do blog de Alexandre Faria, autor carioca e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)."

Agora, empenhado em seu pós-doutorado, Tonani está recolhendo textos de três categorias que nomeiam territórios marginais, como favelas, subúrbios e periferia. Desta vez, ele vai se deter em autores cariocas , como Rubens Figueiredo, e seu Passageiro do Fim do Dia, e Mariel Reis, com livro de contos Vida Bandida. "Quem sabe a pesquisa também se torna um próximo livro?"

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