Lécio Augusto Ramos |
A partir da esquerda, os conferencistas Sonia Vasconcelos, |
Durante a abertura do evento, a coordenadora do seminário e assessora da presidência da Fundação, Stella Taquette, destacou a importância do debate para o aprimoramento da atuação da FAPERJ como órgão auxiliar no controle da ética, haja vista que enquanto agência estadual de fomento à ciência, tecnologia e inovação, a instituição não pode apoiar projetos que não se enquadrem em premissas éticas. “Ao organizar esse seminário, me detive no papel que a Fundação desempenha na regulação da ética das pesquisas que financia”, disse Stella, que é autora do livro Ética e pesquisa com populações vulneráveis, junto com Célia Pereira Caldas, lançado com apoio do programa Auxílio à Editoração (APQ 3) da FAPERJ, pela EdUerj .
O presidente da Fundação, Ruy Garcia Marques, ressaltou a elevada demanda de inscritos no seminário, superior à capacidade do auditório da ABC. “Foram cerca de 250 inscritos, o que revela o grande interesse da comunidade científica e tecnológica em discutir o tema. Mais uma vez, quero ressaltar a participação de muitos alunos, desde a graduação até a pós-graduação, e também de muitos jovens pesquisadores. Isso mostra o acerto da Fundação na escolha dos temas dedicados aos seminários que vem organizando”, disse. Por sua vez, o diretor de Tecnologia da Fundação, Rex Nazaré, lembrou que o evento foi o quarto do ciclo de seminários que a Fundação vem organizando em 2013, depois dos bem-sucedidos debates sobre Fármacos, Cooperação Internacional e Propriedade intelectual e patentes, nos meses de março, abril e maio, respectivamente. “A realização desse ciclo de seminários é uma marca específica da atual administração da FAPERJ”, ponderou.
Pela manhã, foi proferida a conferência “Integridade ética da pesquisa”, por Luiz Henrique Lopes dos Santos, membro da Coordenação Adjunta da Diretoria Científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e professor do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP). Ele avaliou as mudanças, ao longo da história, do controle da ética pela comunidade científica e tecnológica. “Até o final do século XX, predominava a crença de que más condutas éticas seriam raras. Assim, a criação de políticas de regulação da ética seria injustificável, já que a avaliação pelos pares seria suficiente para desmascarar más condutas entre pesquisadores”, disse Santos. Com o advento das novas tecnologias, esse panorama começou a mudar e extrapolou os limites da academia. “Hoje, com as facilidades tecnológicas de manipulação de dados e imagens, a autorregulação de condutas antiéticas pela comunidade científica e tecnológica não basta. A questão é definir como deve ser a política de integridade científica”, completou. Luiz Henrique também enfatizou e considerou primordial que a ética comece a ser abordada e ‘treinada’ já dentro das próprias instituições em que são realizadas pesquisas.
O editor chefe da revista Clinics, Maurício Rocha e Silva, falou sobre “O papel do editor de periódicos científicos”. Ele lembrou que a publicação científica é o principal veículo de divulgação do conhecimento produzido na academia e um indicador da qualidade da produção científica, especialmente nos programas de pós-graduação. Porém, os editores devem se preparar para lidar com questões que colocam em dúvida a credibilidade dos artigos científicos a serem publicados, como a fraude – casos de manipulação de resultados científicos ou de pura invenção de dados. Um dos exemplos que permeiam o cotidiano dos editores é a “retratação” de artigos, isto é, a eliminação de artigos da literatura científica por erro ou desvio ético nas pesquisas. “Entre os papers que passaram por retratação pela base PubMed a partir dos anos 1990, os casos de fraude superam outros itens de desvio da ética, como o plágio, o erro e a publicação duplicada”, observou Silva.
O professor do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Andy Petroianu, discorreu sobre “Critérios de autoria de trabalho científico”. Ele lembrou que é comum haver discordâncias entre os autores de trabalhos científicos sobre a ordenação dos nomes, o que pode desarticular o grupo e prejudicar os futuros resultados da pesquisa. “É aconselhável identificar, no grupo de pesquisa, os critérios para ordenar a autoria desde o início do projeto, definindo quem será o primeiro autor, que é o gerador do conhecimento de fato e líder do grupo, e os outros autores, cúmplices na realização do projeto”, disse. “O primeiro autor é responsável pela criação da ideia e estruturação do método de pesquisa, que é a essência de todo o trabalho científico”, justificou.
Marcos AC/Imagem Carioca |
O público, que lotou o auditório da ABC, teve uma participação expressiva, levantando diversas questões |
À tarde, o debate seguiu com a mesa-redonda “Ética em pesquisa – tópicos especiais”, que teve como moderadora a professora do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Marilena Villela Corrêa. O primeiro tema foi “Ética em pesquisa com populações vulneráveis”, apresentado pela professora associada da Faculdade de Ciências Médicas da Uerj, Lêda da Costa Macedo. Entre os grupos incluídos na categoria “populações vulneráveis” estão aqueles com a capacidade de consentir prejudicada, como crianças, idosos, indígenas, pessoas em privação de liberdade ou com capacidade mental prejudicada.
Lêda destacou as primeiras diretrizes internacionais adotadas para a ética na pesquisa com seres humanos, como o Código Nuremberg, de 1948, e a Declaração de Helsinki, em 1964. “Segundo essas diretrizes, o bem-estar dos participantes da pesquisa deve prevalecer sobre os interesses da ciência e da sociedade”, disse. A pesquisadora destacou que participantes “vulneráveis” podem ser prejudicados por coerção, consentimento livre e esclarecido inadequado, exploração e exclusão da pesquisa e de seus benefícios. “A formação científica dos pesquisadores poderia incluir, desde cedo, o debate sobre a ética do pesquisador e da equipe de trabalho, pois todas as normativas sempre poderão ser burladas”, resumiu.
A professora do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj, Alba Zaluar, discorreu sobre a “Ética em pesquisa em ciências humanas e sociais”. Segundo ela, trata-se de uma ética bem distinta da pesquisa nas áreas da saúde, clínicas e experimentais. “Nas ciências humanas e sociais, falamos em ‘sujeito da pesquisa’, e não em ‘pacientes’, já que o conhecimento é produzido a partir da relação entre pesquisador e pesquisado”, explicou. Para Alba Zaluar, essa diferença deveria ser considerada para o avanço da ética em pesquisa nas ciências humanas e sociais. “Os protocolos da ética em pesquisa continuam vinculados à área de saúde, sob a coordenação do Ministério da Saúde, e não do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação”, disse.
Lécio Augusto Ramos |
A mesa de debates sobre ética em ensaios clínicos reuniu Eliete Bouskela, Aníbal Lopes, Felipe Sanjuliani e Carlos Debenedito |
Fechando o seminário, foi realizada a mesa “Ética nos Ensaios Clínicos”, com a moderação da presidente do Conselho Superior da FAPERJ e professora da Uerj, Eliete Bouskela. Um dos conferencistas foi o médico Aníbal Gil Lopes, que é sacerdote católico, doutor em ciências biomédicas e integrante da Comissão Nacional de Pesquisa (Conep). Ele falou sobre “O papel da Conep na regulação dos ensaios clínicos”. A Conep tem como principal atribuição o exame dos aspectos éticos das pesquisas que envolvem seres humanos. Como missão, elabora e atualiza as diretrizes e normas para a proteção dos sujeitos de pesquisa e coordena a rede de Comitês de Ética em Pesquisa das instituições, os CEPs. “O papel do Conep é evitar desvios em relação à ética. O sistema CEP-Conep não analisa um protocolo de pesquisa já iniciado. Analisa o protocolo antes de a pesquisa começar e verifica se existe possibilidade de danos ao sujeito da pesquisa e como minimizá-los”, resumiu.
O coordenador do Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Nacional do Câncer (Inca), o médico Carlos Henrique Debenedito, falou sobre “Aspectos éticos dos ensaios clínicos em oncologia”. Ele fez um histórico do conceito de bioética. “A bioética significa aplicar os princípios da ética nas ciências da vida e na saúde e tem como base os princípios da Revolução Francesa, de liberdade, igualdade e fraternidade, e são respectivamente o respeito à autonomia, beneficência e justiça”, apontou Debenedito, ressaltando que a realização de experimentos com seres humanos deve ser pautada por esses princípios, além da relevância da pesquisa.
Por último, o médico e professor da Uerj Antônio Felipe Sanjuliani deu sua contribuição ao debate, com “Aspectos éticos em ensaios clínicos”. Ele recordou que a origem das normas para a pesquisa com seres humanos, voltadas para a bioética, se deu em grandes catástrofes mundiais. “Durante a Segunda Guerra Mundial, judeus e crianças foram forçados a participar de experimentos nazistas desumanos em que eram submetidos à fome e desnutrição, a baixas temperaturas e congelamento, até a morte, e à inoculação de bactérias, parasitas e venenos”, recordou. E completou: “Nos Estados Unidos, em Tuskegee, no Alabama, pessoas negras com sífilis eram mantidas sem tratamento para avaliar o desenvolvimento da doença. Isso só foi interrompido em 1972, com a pressão da mídia e da sociedade americana.”
A FAPERJ agora organiza seu próximo seminário, o de “Potencial tecnológico do Estado do Rio de Janeiro”, previsto para o mês de agosto.
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