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Publicado em: 04/10/2012
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As diversas faces de Machado de Assis, o mestre das dubiedades

Danielle Kiffer

 Wikipédia/ Marc Ferrez

           
     Um dos mais consagrados escritores brasileiros, Machado 
       de Assis deixou enigmas até na seleção de seus contos

"O título de Papéis Avulsos parece negar ao livro uma certa unidade; faz crer que o autor coligiu vários escritos de ordem diversa para o fim de os não perder. A verdade é essa, sem ser bem essa. Avulsos são eles, mas não vieram para aqui como passageiros, que acertam de entrar na mesma hospedaria. São pessoas de uma só família, que a obrigação do pai fez sentar à mesma mesa. Quanto ao gênero deles, não sei que diga que não seja inútil. O livro está nas mãos do leitor (...)." Sob o título "Advertência", Machado de Assis inicia o livro  Papéis Avulsos com um texto enigmático, que parece provocar o leitor a decifrá-lo.

"Machado foi um autor que atuou também como editor de si mesmo, selecionando contos que, de alguma forma, tinham uma similaridade", explica Thomaz Pereira de Amorim Neto, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), que, no projeto As escolhas de Machado de Assis: Um estudo sobre o processo de seleção do contista investiga este aspecto do escritor do bairro das Laranjeiras. Na pesquisa em desenvolvimento, Thomaz, que é bolsista do Programa de Apoio ao Pós-doutorado no Estado do Rio de Janeiro (PAPDRJ) – parceria Capes FAPERJ –, sob a orientação do professor do Instituto de Letras da Uerj Roberto Acizelo de Souza, pretende desvendar os porquês das escolhas de Machado de Assis de certos contos para coletâneas, incluindo a análise de textos não aproveitados nessas publicações.

Ao longo de sua carreira, Machado de Assis lançou sete coletâneas, com 78 contos, escolhidos de um universo de 218 textos, além de oito escritos especificamente para estes livros. Um dos exemplos é Papéis Avulsos, a coletânea lançada em 1882, que começa com a "Advertência" do autor. Para o pesquisador, um dos pontos-chave dessa "Advertência" ao leitor é que Machado de Assis afirma que há "uma só família", mas não diz qual seria. "Acredito que o fato de ele não revelar seja um desafio, implícito no contexto: você consegue identificar a unidade que harmoniza estes contos?" Em suas muitas pesquisas sobre o autor, Thomaz analisa: "Os contos selecionados para Papéis Avulsos são completamente diferentes uns dos outros. A única similaridade entre os textos é que Machado de Assis finalmente consegue se desvencilhar do estilo romântico; é evidente esta mudança", revela.

Thomaz também destaca alguns aspectos que diferenciam os contos selecionados: "’Teoria do Medalhão’ consiste em um diálogo, portanto, não tem narrador; ‘A Chinela Turca’ é um conto curtíssimo; e no texto ‘Na Arca’, Machado emula capítulos da Bíblia, escrevendo em versículos. "Na verdade, teoricamente falando, não se trata de contos, mas Machado de Assis não se prende a estas classificações. Toda esta diversidade rompe com o estilo romântico pela audácia e ausência de heróis ou finais felizes", pondera. O pesquisador avisa que esta é apenas uma das hipóteses de seu estudo. "Chegar a uma conclusão sobre Machado de Assis é difícil; ele é o autor brasileiro com o maior número de análises e pesquisas até os dias de hoje."

Na coletânea Histórias da Meia-Noite (1873), no entanto, o autor ainda não tinha se desvencilhado do estilo romântico, como ele mesmo percebe. Uma das pistas disso, ele dá no próprio título do livro. "Meia-Noite é o meio do caminho entre a madrugada e a noite; pode ser uma comparação, uma metáfora, para demonstrar que ainda não deixou o romantismo, mas não está mais tão inserido nele quanto antes. Em outras palavras, apesar de Machado ter se desenvolvido o bastante para questionar as concepções românticas, nesta fase ele ainda não havia conseguido, como escritor, se desvencilhar do estilo romântico", diz Thomaz.

"A Parasita Azul", o conto de abertura do livro, é um exemplo desse limiar. A história gira em torno do personagem Camilo Seabra, que morou muito tempo em Paris e viaja do Rio de Janeiro para a cidade de Santa Luzia, no interior de Goiás. "Um ponto interessante é que as ações da ficção machadiana são alocadas, predominantemente no Rio, mas, neste caso, privilegia Goiás. Uma segunda observação é que cerca de um terço da história fala sobre o percurso do personagem, comparando tudo o que ele vê com a chamada Cidade Luz, até o canto dos passarinhos é equiparado por Camilo à ópera", conta. Mas o mais peculiar é reservado à parte final do conto: forma-se um triângulo amoroso entre Camilo, Leandro e Isabel, os dois últimos residentes da cidade goiana. Quando percebe que perdeu seu amor para Camilo, Leandro vai atrás do rival e lhe aponta uma arma. É nesse momento crítico que Camilo sugere ao inimigo que ele tente a carreira política. Leandro prontamente aceita e desiste de matá-lo, e Camilo termina com Isabel, muito feliz.

"Vejo no discurso de Camilo, que tem uma arma apontada para si, tanto uma dissimulação quanto uma situação bastante estranha. Pode-se perceber na proposta de Camilo uma crítica do autor ao clichê romântico; mas, ao mesmo tempo, o autor não escapa ao romantismo do final feliz: o casal termina perfeitamente bem. E tudo isso mostra o limite do autor na ocasião." Outra curiosidade é que, na mesma época do lançamento do livro, Machado de Assis publicou um texto criticando o romantismo e suas características, intitulado "Notícias da Atual Literatura Brasileira/ Instinto de Nacionalidade". "O lançamento do livro junto com a crítica revela que o autor vinha pensando neste contexto há bastante tempo", analisa Thomaz.

Os mistérios e as pistas metafóricas não ficam somente na problemática acerca do estilo romântico. Em "As Bodas de Luís Duarte", segundo texto de Histórias da Meia-Noite, ele ironiza a mentalidade colonizada do brasileiro. No caso, isso é representado pelo pai de uma noiva, que coloca dois quadros na sala, especialmente para o casamento: A Morte de Sardanapalo, de Eugene Delacroix, e A Execução de Mary Stuart, de Philippe Jacques Van Bree. Diante do questionamento da filha: "Dois quadros sobre morte nas minhas bodas?", o pai responde: "O que interessa é a história e a história cai bem para todas as famílias." "Esse trecho fala claramente de um comportamento típico brasileiro: depender de elementos do que considera "metrópole" para se destacar, não importa como. Os dois quadros retratam a Europa, o centro do mundo na ocasião."

O orientador do projeto, professor Roberto Acízelo de Souza, Cientista do Nosso Estado e ex-presidente da FAPERJ, destaca a importância do estudo para futuros trabalhos acadêmicos e até mesmo para um melhor entendimento e aproveitamento da obra machadiana. "A pesquisa se propõe a esclarecer os critérios que teriam orientado Machado de Assis na "montagem" de seus livros de contos, sabendo-se que o autor escolheu os títulos gerais, dispôs as narrativas em certa ordem, e, sobretudo, selecionou certos contos e preteriu outros, dentre os previamente publicados em periódicos, para a constituição dos diversos volumes que publicou. A investigação dessas questões pode conduzir a resultados interessantes, como, por exemplo, organizar-se um volume com o material não selecionado pelo autor, com o intuito de confrontá-los com aqueles que ele procurou resgatar da efemeridade, pinçando-os nos periódicos para a publicação em livros. E isso com vistas a uma tarefa mais ampla: uma futura edição crítica das obras completas de Machado de Assis", resume Roberto.

Diante da pergunta sobre o quanto misterioso e enigmático Machado de Assis poderia ser, já que muitas questões por ele propostas são consideradas indecifráveis, Thomaz, que pretende transformar seus estudos em livros, conclui: "Talvez o ponto principal esteja do outro lado do espelho. Quem sabe somos nós que não temos capacidade suficiente de compreender seus enigmas?"

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