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Publicado em: 27/09/2012
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Por novas metodologias de ensino

Vilma Homero

 

 

   

   Como não há fórmulas prontas, é
preciso trocar experiências de ensino

O dia a dia dos professores da rede pública, particularmente aqueles que atendem crianças das classes populares, está longe da monotonia. As situações com que se defrontam muitas vezes fazem aflorar os sentimentos mais diversos, que vão da euforia à frustração, da alegria à tristeza. Isso ainda é mais verdadeiro nas escolas próximas a favelas, em que a realidade dessas comunidades, vivenciada pelos alunos, se reflete no cotidiano escolar. Para Rodrigo Torquato da Silva, criado na Rocinha e muitas vezes rotulado em seus tempos de estudante como um “menino que não tinha jeito”, agora, como professor, o assunto é tema de seu livro Escola-Favela Favela-Escola, publicado com recursos do programa Auxílio à Editoração (APQ 3), da FAPERJ. Ele faz questão de frisar que não foi por acaso que uniu as duas palavras do título por “hífen”, mas sim para mostrar como essas duas realidades se confundem, formando um novo contexto. No livro, o foco são as situações limite – intimidação, envolvimento de alguns alunos com o tráfico de drogas e sua influência sobre os demais, agressividade que às vezes pode se transformar em agressão física, casos de prostituição infantil – com as quais os professores também precisam aprender a lidar.

 

“São relações que se dão de forma bastante complexa, em que tanto professores quanto  estudantes são, em alguns contextos, vítimas, e, em outros, agressores. É sobre essa complexidade que proponho uma reflexão, sem nenhuma pretensão de criar modelos interpretativos universais.” Segundo o pesquisador,  a questão em que se fundamenta o livro, é o fato de que a favela ocupa um lugar na escola, com suas culturas, estilos, dilemas e dramas sociais. “Sem admitir que não sabemos lidar com tudo isso, criamos na escola um universo de sentimentos, como medo e preconceito, colocando em cheque nossas ideias de moralidade. Até porque, não dá para enfrentar tudo isso com um discurso moralizante de professor”, admite Rodrigo.
 

Professor que já trabalhou com as séries iniciais do ensino fundamental em escolas de Duque de Caxias e de Niterói, assim como no ensino médio do Colégio Estadual Julia Kubitschek, de formação de docentes, atualmente lidera um grupo de pesquisadores e é professor do Instituto de Educação de Angra dos Reis, da Universidade Federal Fluminense (UFF), Rodrigo sabe bem sobre o que está falando. Para começar, filho adotado de moradores da Rocinha, ele foi um estudante inquieto, daqueles que dava trabalho aos professores e terminou considerado como um “sem-jeito”. Ao contrário do vaticínio dos professores e graças a seu interesse pela leitura, o menino, que trabalhava desde os sete anos, que ainda bem jovem foi filiado à igreja metodista e daí apresentado à teologia da libertação, seguiu de leitura em leitura, prestou exame supletivo estudando sozinho e daí para o vestibular para negros e carentes foi mais um passo que o levou à universidade. Hoje, com mestrado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e doutorado na Universidade Federal Fluminense (UFF), ele pesquisa exatamente o tema da educação, particularmente nas camadas populares e, em especial, nas favelas.

Segundo Rodrigo, práticas e discursos reinantes nas favelas onde moram os alunos integram o cotidiano escolar. E, nesse contexto, as relações com os professores e com a direção mudam. “Passa a ser a cultura deles x você”, explica o professor. Isso também significa quebra de hierarquia, bastante difícil de lidar para qualquer professor, inspetor de alunos ou mesmo para a direção das escolas. O que explica, em certa medida, uma “vista grossa” que predomina em grande parte das relações entre o corpo docente e os estudantes.

 

"Sem saber lidar e precisando conviver cotidianamente com tudo isso, tenta-se ignorar muita coisa. Como um professor vai lidar com essa quebra de hierarquia nas situações do dia a dia?”, indaga Rodrigo, colocando um exemplo real. Numa das escolas em que trabalhou, um dos garotos, de uns 12 anos, gerente de uma boca de fumo, jurado de morte pela polícia, voltara a frequentar a escola. Seu “poder” ultrapassava os limites da favela e era reconhecido pelos demais alunos da escola, que o tratavam com  reverência, apesar de os professores tentarem diluir essa influência, lidando com ele como um estudante comum. “Talvez em função da minha vivência nas classes populares, sempre me ofereciam as turmas dos ‘sem-jeito’. Para tentar ganhar-lhes a confiança e fazer com que aprendam alguma coisa, assumo o dialeto da favela, misturado à linguagem acadêmica. No caso desse aluno, vi que ele passou a prestar mais atenção, dormia menos nas aulas, começava a ler e a tentar escrever”, conta. 

Numa aula de educação física, no entanto, Rodrigo percebeu que bastou o garoto acenar para que um dos outros alunos lhe cedesse o tênis. “Mesmo que o professor tentasse impedir aquele empréstimo forçado, o próprio aluno retrucou: ‘Sou eu que quero emprestar.’ Isso mostra que o professor precisa entender que sua hierarquia tem que ser negociada em cada situação.” Por outro lado, o pesquisador registrou que, em determinados momentos, para aprender a ler e escrever, o garoto do tráfico também abria mão de “ser o cara” e pedir ajuda aos estudantes que, dentro dessa lógica, são considerados “otários”. “Isso mostra a necessidade de negociação de parte a parte.”

São negociações necessárias no cotidiano na relação professor/aluno. “Porque é muito complicado entrar mais profundamente nesta problemática, quebrar este distanciamento”, explica. Até porque, como expõe Rodrigo, é muito difícil para as crianças das favelas fazerem comparações favoráveis de modelos de vida e de comportamento entre os exemplos de suas próprias famílias, em que muitas vezes a educação e a escola são pouco valorizados, aos exemplos de sucesso do tráfico, que exibem formas de retorno imediato, como dinheiro na mão, mulheres bonitas, status. “Nessa comparação, a escola aparece como um modelo de longo prazo e de sucesso incerto”, afirma.  

Para aprender a lidar com tantas questões e mudanças de paradigmas, Rodrigo está buscando respostas em três contextos de pesquisas: na Rocinha, a favela onde se criou, deu início, juntamente com a professora Regina Leite Garcia, a um processo de conversas com as professoras das creches locais, interrompido após os conflitos depois do processo de implantação da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) local. Atualmente, continua na comunidade tentando compreender melhor a dramaticidade de se fazer política na favela, seus atores e o tráfico. “O objetivo é entender como tudo isso se articula com a escola. Porque está tudo junto e misturado, já que as pessoas envolvidas, professores e estudantes, são os que tecem o contexto do cotidiano escolar, onde tudo se enreda e é tecido junto, criando um novo contexto”, explica.

Na opinião de Rodrigo, muitos professores, sobretudo os que chegam de fora das comunidades, esperam encontrar um aluno ideal, interessado, obediente e respeitoso. “Esse distanciamento existencial não deve ser condenado. Na verdade, colocar tudo isso na balança é essencial para tentar entender como lidar com essas questões. É preciso que o acadêmico desça de seu pedestal e entre na escola disposto a construir novos saberes. Que, na verdade, são saberes que nascem a todo instante, a partir desses conflitos.” Para isso, há necessidade de se construir metodologias "mutantes", a partir das experiências dos próprios professores na interação com as questões com que se defrontam no cotidiano escolar. “Isso quer dizer que, nessas circunstâncias, não há como adotar um método universal, aplicável a todas  as situações. “Eles precisam ter liberdade, coragem e confiança para falar de seus medos, e também sobre suas experiências na escola, com suas práticas pedagógicas, expondo o que fazem, o que funciona”, afirma.

Para o pesquisador, há professores, que, mesmo em meio a esses conflitos, tentam continuar dando aula, muitas vezes para cinco ou seis interessados, numa turma de 30, 40 alunos. Caso que mostra que tanto há o empenho daquele professor em não desistir, em ensinar, e o interesse daquela minoria em aprender aquilo que está sendo ensinado. “Ao trocar experiências sobre questões concretas, sem dar curso ao ciclo de negação desses problemas, tem-se uma possibilidade de articular métodos para tentar resolvê-los, melhorando, assim, as práticas cotidianas de ensino. Principalmente, sabendo que não há modelos fechados de solução para todas as situações que enfrentamos na escola.”

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