Vinicius Zepeda
Divulgação/Daniela Dacorso |
Cerca de três milhões de pessoas se divertem nos bailes funk espalhados por todo o estado do Rio de Janeiro |
O livro apresenta duas diferenças significativas em relação a outros estudos e publicações sobre o gênero. A primeira é que, em vez de ser escrito por antropólogos, sociólogos ou mesmo jornalistas, o livro é de uma especialista em Linguística. "Procurei entender o fenômeno do ponto de vista do discurso daqueles que o fazem, dando-lhes voz não apenas como objeto de estudo, mas como colaboradores do livro", explica Adriana, carinhosamente apelidada de Drica pelo pessoal do funk. Outra diferença é que, além de estudo acadêmico, o livro é também um relato de alguém que se comprometeu com a causa. Com a antropóloga e professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), sua xará Adriana Facina, Adriana Lopes ajudou os funkeiros na criação da Associação dos Profissionais e Amigos do Funk (Apafunk), nascida em junho de 2008.
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A ideia da publicação nasceu quando a pesquisadora cursava o doutorado, em 2007, e resolveu estudar a cultura e a linguagem da juventude da periferia carioca. Inicialmente pensou em focar no hip-hop, mas logo viu que o estilo tinha pouca força no estado. "O funk era e continua sendo a linguagem forte que afeta a juventude", afirma a professora da UFRRJ. Vinda de um período de doutorado-sanduíche no exterior e de um período em São Paulo, seu primeiro contato com uma favela fluminense foi com a Maré. Durante o trabalho de campo, visitou a Rocinha, onde conheceu, numa extinta TV comunitária local, o programa A Hora do funk, em que funkeiros mais antigos, sem espaço na mídia – monopolizada pelas equipes Furacão 2000 e Big Mix – se apresentavam. "Ali conheci MC Leonardo, Adriana Facina e a criadora do blog Funk de Raiz, Cláudia Duarcha", recorda.
Arquivo Pessoal |
Lacraia (E), Drica e MC Serginho no quiosque gay Rainbow |
Dividido em quatro capítulos, a primeira parte do livro relaciona o funk carioca a um sincretismo negro, que une culturas originárias da África com a identidade cultural de cada um dos países para onde os negros vieram como escravos, a exemplo de religiões afrobrasileiras, como umbanda, que mistura elementos do candomblé africano com o catolicismo. A base do funk é o miami bass, ritmo dos negros americanos, que nos anos 1970 começou a tocar nos bailes dos subúrbios cariocas, e em São Paulo deu origem ao hip-hop. No Caribe, gerou o reaggaetown e em Angola foi base para o kuduro. "O ritmo angolano hoje contribui para renovar o funk carioca. Em minha pesquisa, observei que, desde 2007, jovens da favela de Acari assistiam, em lan houses, a vídeos do ritmo africano no You Tube", recorda.
Para Drica, a dupla MC Serginho e Lacraia, um negro, homossexual assumido que se travestia, era bem mais subversiva do que as mulheres da indústria do funk, sempre colocadas no papel de objeto sexual e subservientes aos homens. "Num show da dupla, em uma boate carioca, Lacraia dançava de forma sensual, dizendo que era a Luana Piovanni", recorda. Enquanto a maioria dos entrevistados preferia que conversássemos em sua casa, a dupla fez questão de ir até o quiosque gay Rainbow, em frente ao Hotel Copacabana Palace. "Foi muito difícil fazer a entrevista, pois a todo tempo havia pedidos de autógrafos para os dois. Até policiais foram lá pedir para os filhos", completa.
Durante o projeto, Drica passou a entender a exploração comercial da indústria funkeira. "Enquanto a cessão de exploração comercial na música pelas gravadoras é de 10 anos, no caso do funk, ela é vitalícia, uma exploração enorme do talento do artista", destaca a autora do livro. Além de resgatar a história do ritmo, dando espaço a funkeiros que estavam longe da grande mídia, a Apafunk criou as chamadas de rodas de funk – espaços de discussão em que militantes de esquerda e de movimentos sociais debatiam com os protagonistas do ritmo. "Este espaço servia para acabar com o preconceito contra os funkeiros, que eram malvistos pelo pessoal do hip-hop e também pela esquerda. Por outro lado, os personagens do funk também não simpatizavam com a esquerda", recorda. Mas ao conhecer e debater com militantes do Movimento dos Sem-Terra (MST), os funkeiros descobriram que as reivindicações eram bastante parecidas. Como resultado desse processo, houve a criação, no mandato do deputado estadual Marcelo Freixo, da Lei do funk (setembro/2008).
Grávida de seu segundo filho, Drica deverá continuar a se dedicar aos seus estudos sobre o ritmo após o fim da licença maternidade. "Quero estudar o funk como forma de letramento dos jovens", destaca. E promete: "Como tantas outras crianças, meus dois filhos dançarão ao som do funk..."
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