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Publicado em: 13/10/2011
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Ouvindo histórias de adolescentes

Vilma Homero

 Reprodução

           

  O livro propõe cinema e leitura a médicos 
    como forma de humanizar atendimento  

Traçar um diagnóstico clínico é um pouco como seguir pistas para descobrir o culpado. E boa parte dessas pistas seriam colhidas durante uma consulta, na conversa com o paciente e no exame físico. Atualmente, porém, virou quase rotina priorizar o pedido de exames complementares. Pelo menos, uma queixa recorrente dos pacientes é justamente de que boa parte dos médicos pouco ouve o que eles têm a dizer durante as consultas. Seguindo a corrente da Universidade de Colúmbia, instituição americana de ensino e pesquisa, a pediatra Eloísa Grossman fez mais do que simplesmente propor voltar a atenção ao relato dos pacientes. Especializada no atendimento a crianças e adolescentes, ela e equipe mergulharam na leitura de contos nacionais e em filmes para reunir as histórias que compõem o livro Histórias da adolescência, publicado com apoio do programa de Auxílio à Editoração (APQ 3), da FAPERJ. "A ideia é treinar o ouvido dos profissionais de saúde para escutar seus pacientes", diz Grossman que é professora da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

"Na verdade, traduzimos uma preocupação mundial, que questiona essa ode à técnica, em detrimento do que contam os próprios pacientes. Essa é uma questão que vem sendo discutida nas últimas décadas, particularmente na Universidade de Colúmbia", fala Grossman. E onde entra a literatura? "A medicina tem dois polos: um é a própria ciência, claro; o outro é a arte. Os dois podem estar mais próximos do que se pensa." Como explica Grossman, narrativa ficcional e as histórias do adoecimento trazem muitas semelhanças. Assim, profissionais de saúde com maior familiaridade com a análise narrativa também significa profissionais mais aptos a compreender e interpretar as pistas contidas nos relatos dos doentes.

Segundo a pesquisadora, por conta de seu aprendizado muito intenso, os estudantes de medicina acabam lendo menos literatura, indo menos ao cinema. "Buscar um conhecimento mais amplo e mais generalizado ajuda a manter uma atuação mais humanizada, a organizar o raciocínio clínico e exercer melhor sua prática cotidiana, que é perpassada por narrativas, que ele precisa escutar, interpretar e criar sua própria visão da história da doença daquele paciente. Com isso, ele certamente estará construindo melhor sua anamnese, entrevista realizada pelo profissional de saúde ao seu paciente, que tem a intenção de ser um ponto inicial no diagnóstico de uma doença", fala a pesquisadora. Para isso, contam também a experiência prática, que o fez tratar de casos semelhantes anteriormente.

Para Grossman, essa parte do exercício clínico vem sendo desvalorizada em prol da alta tecnologia, da sofisticação dos exames modernos, que certamente muitas vezes são necessários, mas não a única fonte de informações para o médico traçar o diagnóstico de um paciente. "Com a tendência, que tem se tornado habitual, de os médicos passarem a confiar prioritariamente nos exames complementares, a capacidade de ouvir e ressignificar as histórias de seus pacientes está enfraquecida", critica Grossman.

Na contramão dessa tendência, o livro é mais uma forma de treinar a sensibilidade, a competência narrativa do profissional de saúde em ouvir e contar histórias. Professora de alunos de graduação e coordenadora do projeto de educação a distância do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente (Nesa/ Uerj), ela vem mantendo cursos na internet para profissionais de saúde sobre o tema. "Temos discussões de casos clínicos e propomos leituras e filmes para aproximá-los do universo adolescente por meio dessas histórias. Com isso, lhes permitimos discutir temas que nem imaginavam importantes."

Para reunir os contos e filmes narrados no livro, Grossman contou com Cristiane Murad Tavares e Mariana Caroni, também médicas do Nesa, além da contribuição do especialista em teoria literária Maximiliano Torres. As histórias foram agrupadas em vários aspectos que fazem parte da fase da adolescência: comportamento, transgressões, família, sexualidade e saúde e doença. Para tratar, por exemplo de sexualidade, recorreu-se a vários autores, de diferentes épocas: tanto entra Lima Barreto, com o conto Clara dos Anjos, em que foram abordados temas como gravidez, autoestima, desigualdade socioeconômica e projeto de vida; quanto Caio Fernando Abreu, em Sargento Garcia, para tratar fantasias sexuais, construção de gênero, encontro sexual e violência. Do filme Pequena Miss Sunshine, vêm exemplos de relações familiares, protesto e relações entre irmãos. "A adolescência é uma fase na vida de muitas e grandes mudanças. É um período de mudanças hormonais, de transformações emocionais, de conflitos entre gerações, marcada por dúvidas e questionamentos . É preciso aprender a lidar com tudo isso", fala Grossman.

Em cada um deles, há um pequeno extrato da história e as considerações das autoras sobre como abordam determinado assunto, além de associações com histórias reais parecidas já ouvidas. Tudo para levar os leitores a também refletirem sobre as questões abordadas. Sobre o filme Edukators, por exemplo, Mariana Caroni fala sobre o que trata o enredo, passado na Alemanha, pós-queda do muro de Berlim, e a partir do comportamento dos personagens, considera: "Uma característica marcante do comportamento dos adolescentes e jovens está relacionada à invulnerabilidade. O crescimento do corpo, o desenvolvimento sexual e a maior autonomia lhe trazem a impressão de que tudo é possível. Sentindo-se super-heróis, muitos adolescentes tomam atitudes arriscadas para testar seus limites." Ela explica ainda que esse comportamento de risco muitas vezes se reflete nas estatísticas que mostram que a maior causa de morte entre jovens é externa, fruto dessas atitudes audazes, da mesma forma que o grande número de gestações adolescentes traduz o desejo de jovens a sentirem-se capazes de gerar um bebê.

Para lidar com tudo isso, as autoras procuram mostrar que a arte não é "apenas um veículo de cultura, mas, sobretudo, uma representação da existência humana, dos problemas do cotidiano, o espelho que projeta a pluralidade do sujeito e sua atuação diante da vida". Para resumir, Maximiliano Torres recorre à escritora Clarissa Pinkola Estés, em Mulheres que correm com os lobos: "As histórias são bálsamos medicinais (...) A cura para qualquer dano ou para resgatar algum impulso psíquico perdido está nas histórias. Nelas, estão incrustadas instruções que nos orientam a respeito das complexidades da vida."

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