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Publicado em: 12/05/2011
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Livro traz à luz a Revolta do Batalhão Naval

Débora Motta

 

                               Reprodução
   
    Livro tem como fonte inquérito policial
    da época que ficou desconhecido 
        

A Revolta da Chibata é um capítulo bem conhecido da história – marinheiros liderados por João Cândido tomaram navios de guerra ancorados na Baía de Guanabara, para pressionar as autoridades a pôr fim aos castigos físicos que ainda vigoravam na Marinha, entre outras reivindicações trabalhistas. No entanto, um outro episódio ocorrido no mesmo ano, 1910, como desdobramento desse conflito e com praticamente os mesmos protagonistas, ainda é pouco conhecido e costuma ficar restrito aos rodapés dos livros acadêmicos. Trata-se da Revolta do Batalhão Naval, tema do livro homônimo do historiador Henrique Samet, professor adjunto do Setor de Letras Orientais e Eslavas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A obra foi publicada com apoio da FAPERJ, por meio do Programa de Auxílio à Editoração (APQ3).

 

Em A Revolta do Batalhão Naval (editora Garamond, 332 pp.), o autor passa a limpo o conflito que se deu em apenas 18 horas (das 21h do dia 9 de dezembro de 1910 às 15h do dia seguinte), pouco depois da Revolta da Chibata, desencadeada na manhã de 22 de novembro daquele ano. Apesar de rápido, o levante que teve como foco a Ilha das Cobras serviu para anular os efeitos da anistia concedida aos marinheiros da Chibata, a pretexto de terem dado apoio ao novo movimento. A anistia havia sido concedida depois de uma campanha liderada pelo então senador Ruy Barbosa, relator do processo acatado a contragosto pelo recém-empossado presidente Hermes da Fonseca. Para os oficiais da Marinha, no entanto, ela representava a impunidade daqueles mesmos marinheiros que mataram, durante o conflito da Chibata, alguns colegas da alta patente.

 

Motivação política da revolta

 

No clima tenso gerado pela Revolta da Chibata, havia interesses políticos de três grupos: os oficiais da Marinha; os marinheiros e fuzileiros navais, à época conhecidos como soldados do Batalhão Naval; e o governo. Antes da posse do militar Hermes da Fonseca à presidência, seus adeptos haviam travado uma dura campanha eleitoral contra os civilistas – contrários ao domínio da vida política pelos militares, entre os quais se destacava Ruy Barbosa, que tinha o apoio da bancada de São Paulo e Bahia, mas perdeu para o marechal Hermes. “Entre os oficiais da Marinha, a concessão da anistia aos revoltosos da Chibata gerou forte oposição. Para eles, a Chibata foi mais do que um desrespeito à hierarquia. Ela feriu os brios da oficialidade”, diz Samet.

 

Para os marinheiros, os conflitos de 1910 representaram a luta por condições de vida dignas, como oito horas diárias de trabalho e o fim das chibatadas, que apesar de proibidas logo após a Proclamação da República, em 1889, ainda eram uma prática corriqueira na Marinha, por pressão do oficialato. “A reivindicação das classes ditas subalternas da Marinha ganhou a simpatia da imprensa”, afirma o historiador. Vale lembrar que as duras penas impostas aos marinheiros eram herança de uma mentalidade escravagista. “A maioria dos revoltosos era negra, pobre e analfabeta. Muitos entre os recrutados ao serviço militar eram jovens que cometiam delitos e eram casos de polícia. Este aspecto social foi utilizado pelos oficiais como uma desculpa para justificar a necessidade dos castigos físicos, já que os enquadrava em uma categoria depreciada.”

 

O confronto do Batalhão Naval

 

Apesar da anistia, os oficiais começaram a articular uma série de represálias aos marinheiros que participaram da Revolta da Chibata. Todos os navios de guerra que haviam sido utilizados nesta revolta foram desarmados. Desse modo, os marinheiros não podiam repetir o gesto de resistência no mar. De acordo com o professor, relatos de personagens da época contam que os oficiais tentaram convencer os próprios fuzileiros do Batalhão Naval a atacar os marinheiros revoltosos, que estavam embarcados. “Houve uma provocação do oficialato para que os soldados do Batalhão Naval tomassem os navios e atacassem os marinheiros embarcados que haviam se envolvido na Chibata. Eles não imaginavam que os fuzileiros se tornariam aliados dos marinheiros e dariam início à Revolta do Batalhão Naval”, resume. 

 

A proximidade entre os soldados do Batalhão Naval e os marinheiros pode ser justificada pelo compartilhamento da mesma avaliação racial negativa pelo corpo de oficiais. Ambos eram de maioria negra. Outro fator que pode explicar a camaradagem foi o fato de o presídio da Marinha na Ilha das Cobras estar sob guarda e responsabilidade dos soldados do Batalhão Naval, o que propiciava um convívio mais estreito. “Naquelas circunstâncias excepcionais, o presídio concentrava não só marinheiros presos e sentenciados por crimes comuns e disciplinares, mas alguns envolvidos na Revolta da Chibata”, conta o professor.

 

Assim, o novo conflito na Armada estourou no Batalhão Naval. “Os oficiais que estavam na Ilha das Cobras no dia da Revolta do Batalhão Naval foram surpreendidos. Os líderes do movimento tomaram o paiol das armas e, de posse da munição, que os marinheiros já não tinham acesso nos navios, começaram a bombardear a cidade do Rio”, narra. Além do contingente dos fuzileiros que se encontravam na Ilha, participaram da ação os prisioneiros que estavam no local, entre eles revoltosos da Chibata, libertados para o combate. A revolta foi reprimida duramente. A Ilha das Cobras foi bombardeada a partir da Praça XV e do mosteiro de São Bento, e principalmente por ataques vindos do mar. Segundo o professor, o número de mortos entre militares e civis não foi oficialmente divulgado, mas avalia-se que houve pelo menos 45 mortos militares na rebelião, a maior parte, rebeldes.   

      

O líder da Chibata, João Cândido, que estava a bordo do couraçado Minas Gerais durante o confronto, não aderiu a essa segunda revolta. No entanto, o saldo final foi negativo para ele e para todos os revoltosos de 1910. João Cândido e os outros líderes da Chibata e do Batalhão Naval foram presos e literalmente jogados nas masmorras subterrâneas da Ilha das Cobras. As celas eram praticamente inabitáveis, sem entrada de ar. E a pretexto de desinfetarem as instalações, foram banhadas com água e cal, o que provocou a intoxicação e morte de 16 de seus 18 ocupantes. Sobraram apenas João Cândido e mais outro marinheiro.

 

Fontes ainda desconhecidas

 

O longo trabalho de pesquisa do professor Henrique Samet, de seis anos, teve como base um documento inédito encontrado em meio a caixas do Arquivo Nacional, talvez o único capaz de ajudar os historiadores a esclarecer mais precisamente a Revolta do Batalhão Naval – o Inquérito da 3 Delegacia Auxiliar da Polícia Civil. “É um material precioso porque foi elaborado pela polícia para investigar as razões da Revolta do Batalhão Naval, e não pela própria Marinha”, conta, acrescentando que o documento contém depoimentos de mais de 40 testemunhas do inquérito, sendo apenas dois oficiais da Marinha, o que torna possível investigar outras vertentes da história. Ele também pesquisou nos arquivos do Serviço de Documentação da Marinha.

 

A ausência de documentação sobre o episódio, que teria sido desviada acidentalmente ou de propósito, para dificultar pesquisas sobre o movimento, é uma das explicações para a escassez de estudos a respeito do conflito. “Outra explicação do desinteresse pelo tema é a aceitação tácita de alguns historiadores de versões oficiais da época, que erroneamente induzem a acreditar que a revolta não teve grande expressão em si porque não teria passado de mera provocação, encenada por oficiais da Marinha, para justificar os castigos que haviam sido proibidos pela anistia dada aos rebelados da Chibata”, pondera Samet. Para ele, a revolta foi uma reação espontânea, longe de ter sido forjada pelo oficialato ou mesmo pelo governo. “A Revolta do Batalhão Naval nasceu do sentimento legítimo de medo que assolava os marinheiros revoltosos na iminência de represálias, e da solidariedade dos fuzileiros navais aos marinheiros, colegas de baixo escalão.”

 

Uma das figuras cuja identidade ainda é uma incógnita, devido à falta de informações, é a de Jesuíno da Lima Carvalho, vulgo cabo Piaba. “Sabe-se que o cabo Piaba foi o líder da Revolta do Batalhão Naval, mas não há informações muito detalhadas. Ele era o praça mais antiga, apesar de cabo não sabia ler nem escrever e, nascido no Rio Grande do Sul, havia sido marinheiro antes de se tornar fuzileiro, o que pode ter justificado seu posicionamento como líder dos revoltosos”, diz. E prossegue: “No inquérito, ele disse que oficiais o consultaram para contra-atacar suboficiais do Batalhão Naval.” Ao contrário de João Cândido, conhecido como o Almirante Negro e considerado um verdadeiro herói popular, o líder do Batalhão revoltado não teve sua memória preservada. “É preciso resgatar figuras como a do cabo Piaba de um anonimato injusto”, conclui Samet.

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