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Publicado em: 14/10/2010
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Livro investiga a situação da infância pobre no começo do século passado

 
     
     Livro mostra semelhanças 
      entre passado e presente

Vilma Homero

 

 

“(...) os moradores da Travessa Onze de Maio, no Centro, queixavam-se dos meninos desocupados, que proferiam palavrões e apedrejavam as pessoas. Maltas de menores desordeiros cometiam toda a sorte de desatinos.” Os jornais fluminenses estampavam em suas manchetes um dos problemas que preocupava a sociedade da época: o enorme contingente de crianças que perambulava pelas ruas da cidade, motivo de grande preocupação para a sociedade da época. Estávamos na década de 1920. Trinta anos depois do fim da escravidão e seguindo os ventos renovadores da então jovem república, o país vivia a perspectiva de modernizar-se, em todos os aspectos. Diante de tudo isso, era preciso resolver velhos problemas, entre eles a questão da infância desvalida.

O assunto é tema do livro Sob a Guarda da República – a infância menorizada no Rio de Janeiro na década de 1920, de Sônia Camara, e contou com recursos do Auxílio à Editoração (APQ 3), da FAPERJ. Professora de História da Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), campus São Gonçalo, ela explica que o livro é resultado de sua tese de doutorado, defendida na Universidade de São Paulo (USP). Com o doutorado, ela procurou articular algumas questões suscitadas à época do mestrado. “Embora nos anos de 1920 o Rio de Janeiro passasse pelo processo de implementação de reformas de cunho escolanovista e, com elas, de ampliação da escolarização num movimento que se sustentava na ideia da “escola para todos”,  o que se observa é que contingentes significativos de crianças continuavam excluídas da escola, perambulando ou realizando pequenos expedientes  a troco de pequenos salários pelas ruas da cidade”, explica a historiadora.

No projeto de mestrado, ela procurou compreender o projeto de reforma da instrução concebido pelo educador Fernando de Azevedo e como foi realizado no Instituto Profissional Feminino Orsina da Fonseca, que durante o período estudado, os anos 1920, era a única instituição municipal que abrigava, em regime de internato, meninas órfãs e pobres. No doutorado, ela alargou sua investigação trabalhando novas questões sobre o tema da infância e as transformações que se propunha à época para o campo da educação.

“Sob influência das ideias de modernidade, entre 1924 e 1935, o governo fluminense –por meio da atuação dos educadores Carneiro Leão, Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira – procurou empreender iniciativas escolanovistas, na tentativa de transformar e modernizar a educação”, explica Sônia. Essas iniciativas estão no bojo dos ideais republicanos de transformação e reforma social, que se concretizaram no projeto de remodelamento urbano por que passou a cidade desde a gestão de Pereira Passos, ou que, no campo do Direito, se traduziu na promulgação do primeiro Código Civil brasileiro, em 1916, que entrou em vigor no ano seguinte. Ou ainda das leis de proteção e assistência à infância implementadas a partir de 1921, com a Lei Orçamentária Federal.

“Apesar de todas essas reformas e da perspectiva social de intervenção, que tem início no Rio de Janeiro dos anos 1920, e do discurso republicano de ‘escola para todos’, a realidade era de um enorme contingente de excluídos, particularmente de jovens e crianças, que continuava fora da escola, muitas vezes em situação de “risco pelas ruas da cidade”. Isso acontecia não apenas no Rio de Janeiro, mas em outras capitais no país, cidades importantes dos Estados Unidos ou mesmo da Europa”, diz Sônia. Ao procurar entender as políticas públicas em curso, especialmente nos anos de 1920, Sônia percebe que várias áreas de conhecimento, como a medicina, o direito e a educação, se organizam com o objetivo comum de intervir sobre a cidade, promovendo mudanças nas condições de vida e de sobrevivência da população pobre. A própria reforma Pereira Passos segue o discurso higienista da época, de que era preciso tornar casas e ruas mais salubres e menos propícias à disseminação de enfermidades. Procurando entender essas questões, o livro tenta compreender e problematizar as iniciativas realizadas pelo poder público no atendimento e proteção à infância, com destaque para o Código de Menores de 1927. Lançando mão de uma ampla gama de documentos, entre eles, jornais e revistas da época, Sônia traça um panorama amplo sobre a situação de vida da infância na cidade. Em 1873, por exemplo, no jornal A Mãi (sic) de Família, fundado pelo médico Carlos Costa, se fala na criação de creches que atendessem os filhos de escravas nascidos depois da Lei do Ventre Livre. O jornal antecipava a ampliação de um problema que já se mostrava premente naquele final de século XIX.

“No primeiro capítulo, mostro como a imprensa, ao noticiar os casos de menores perambulando pelas ruas, reclama medidas urgentes por parte do Estado”. Notícias publicadas sobre a legislação portuguesa instigam a autora a perceber possíveis articulações sobre as iniciativas organizadas no Brasil e em Portugal, fala. Segundo a historiadora, em 1902, o senador Lopes Trovão já reivindica leis de proteção à infância como forma de se preservar as crianças de situações como as que volta e meia apareciam nos noticiários. Não eram raros, por exemplo, os casos de crianças violentadas na cadeia, já que ao cometer qualquer infração, eram encaminhadas às mesmas prisões em que ficavam os adultos. Mesmo que não fosse vítima de abusos, ali a criança só teria como piorar. Como se dizia naqueles tempos, “prisões eram escolas de crime”. Mas apenas em 1927, foi criado no Brasil um código específico para tratar a questão da infância. “Foi, à época, o primeiro Código de Menores do país, e também da América Latina, sendo o primeiro juiz de menores José Cândido de Albuquerque Mello Mattos”, diz Sonia.

Apesar dos ideais republicanos, faltam iniciativas governamentais para atendimento à infância. As instituições existentes são, em sua maioria, particulares e, sob essa mesma ênfase do projeto republicano, visam à formação de trabalhadores, já que aquelas crianças, em sua maioria pobres, precisam aprender a garantir seu futuro sustento. O Patronato de Menores, por exemplo, foi criado em 1908 para atender crianças pobres que deviam ser preservadas das más influências das ruas. Também o juiz Mello Mattos fundou algumas instituições para abrigar menores, que mais tarde passaram a ser administradas  por congregações religiosas.

Oitenta e três anos depois do primeiro Código de Menores e passados 20 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), algumas situações permanecem inalteradas. “Em jornal dos anos 1920, um jornalista que visita um abrigo para crianças conta o que viu: os menores vivendo em abandono, pelos pátios. Na instituição, como pôde constatar, as atividades educativas existiam apenas no papel”, conta a historiadora. Situação que guarda algumas semelhanças com a desse século XXI. “Ainda vemos grandes contingentes de crianças pelas ruas. Em parte, esse é um problema social que permanece. Nossa sociedade mantém o mesmo processo de exclusão”, admite Sonia. Ela acrescenta: “Ao contrário do que aconteceu no passado, é preciso não apenas procurar tirar as crianças das ruas, mas enfrentar questões mais profundas que as levam para as ruas, que fazem com que essas famílias não tenham condições de cuidar delas. Precisamos procurar entender e resolver a essência e todas as complexidades que envolvem a questão”, finaliza.

 

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