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Publicado em: 01/07/2010
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Violência silenciada contra crianças e adolescentes

Elena Mandarim

Recentemente, mais um caso de brutalidade contra criança chocou a sociedade. Desta vez, a protagonista dos maus-tratos foi a procuradora aposentada Vera Lúcia Gomes. E a vítima foi sua filha adotiva de, apenas, dois anos de idade. No primeiro trimestre do ano, o Disque 100 – telefone que recebe denúncias da população sobre violência contra crianças e adolescentes – registrou 6.873 ocorrências, uma média de 76 denúncias por dia. Para Nivia Valença Barros, professora do Departamento de Serviço Social e do programa de mestrado e doutorado em Política Social, da Universidade Federal Fluminense (UFF), a agressão a crianças e adolescentes é um traço marcante da realidade nacional, mas ainda silenciado pela sociedade. Contemplada pelo edital Jovem Cientista do Nosso Estado, da FAPERJ, de 2008, a pesquisadora traça o perfil dessa violência no município de Niterói, de modo a compreender o fenômeno no contexto histórico-familiar-social.

 Reprodução

         
     Nivia Barros coordena projeto que traça o perfil da 
    violência contra crianças e adolescentes em Niterói
Para Nivia, inúmeros fatores culturais e sócio-históricos explicam tanto a prática da violência contra a infância e a adolescência, quanto o silêncio da população. Ela explica que as tensões familiares naturais são aumentadas em decorrência de uma cultura "adultocêntrica", em que o adulto se impõe de forma exagerada às crianças e aos adolescentes. "Essa assimetria de poder se manifesta de múltiplas formas, inclusive na forma de violência", diz. Segundo a pesquisadora, a isso soma-se a concepção, culturalmente arraigada em nossa sociedade, de que a família é uma instituição sagrada – em que ninguém alheio deve se intrometer. "Essa cultura de não intromissão nas questões familiares ‘do vizinho’ ainda é forte e contribui para o silêncio da população brasileira", explica.

Nivia acredita que identificar quantitativa e, em especial qualitativamente, essas questões é importante para dar visibilidade ao tema, "Violência Silenciada – Crianças e Adolescentes", que dá nome ao seu projeto. "Conhecer o problema é o primeiro passo para discutir políticas públicas para a defesa dos direitos da criança e do adolescente", defende. Ela explica que boa parte da população só entende como violência a agressão física ou sexual. "Contudo, há inúmeras formas de violência contra a criança e o jovem e todas causam impactos devastadores sobre sua formação psicológica e pessoal", diz.

Por isso, em seu projeto, Nivia coordena um grupo de estudo – formado por 10 estudantes, que trabalham em conjunto com mais duas professoras do Departamento de Serviço Social: Rita de Cássia Santos Freitas e Cenira Duarte Braga – que faz o levantamento de todos os atendimentos realizados no período de 2000 a 2010, pelos três Conselhos Tutelares do município de Niterói: centro, região oceânica e região norte. "Acessamos os prontuários de atendimento e separamos os registros de acordo com a natureza da infração. Depois, entrevistamos os conselheiros para confirmar as informações que colhemos", explica a pesquisadora.

Segundo a coordenadora, está sendo montado um banco de dados estatísticos com os registros referentes aos quatro tipos de violência: violência doméstica – cometida pelos responsáveis legais, como negligência, exploração, abandono e abusos físicos, psicológicos e sexuais; violência decorrente de conflito familiar, por exemplo, quando os pais não concordam com o namoro da filha; violência social – todo tipo de violência cometida por alguém alheio à família, como padres que abusam sexualmente de crianças; e  violações de direito, como negação aos direitos sociais e civis, de frequência à escola, de acesso à saúde e cidadania etc. "Essa identificação nos permite delinear a competência dos Conselhos Tutelares e de outros órgãos, públicos ou privados, de atendimento à criança e ao adolescente. E, assim, avaliar se a proteção social oferecida no município é eficiente", diz a pesquisadora. "Com isso, as políticas podem ser direcionadas para as áreas mais necessitadas", complementa.

Apesar de não ter terminado todo o levantamento dos dados, Nivia conta que já tem alguns bancos estatísticos consolidados. Na Zona Norte, por exemplo, Fonseca é o bairro que apresenta maior número de registros no Conselho Tutelar, 36,7%, seguido da Engenhoca, com 12,5%. "Vamos buscar explicações históricas, culturais e sociais para essa disparidade. Porque, necessariamente, não é o bairro do Fonseca que apresenta um maior número de casos. A única coisa que podemos afirmar é que lá a população está notificando e denunciando mais", explica.

No caso de violação de direitos, a escola é a maior infratora, com 45% dos registros. O segundo são os cartórios, com a negação do Registro Civil de Nascimento, que somam 27% das ocorrências. "Na questão da escola, entendemos como violação dos direitos infanto-juvenis, além da negação de solicitações de vagas, os conflitos entre aluno e escola, a retenção de documentação escolar por inadimplência, etc.", explica. Outro dado interessante é que a população de 7 a 14 anos é a que mais sofre com a violência decorrente do conflito familiar. "Uma das hipóteses levantadas é a de que, por estar na transição da infância para a adolescência e, consequentemente, no auge da formação da personalidade, esse grupo é mais contestador e desobediente, aumentando as tensões intrafamiliares", diz.

De acordo com Nivia, duas dissertações de mestrado, vinculadas ao projeto, já foram defendidas. Também está sendo elaborado um material didático que, além de apresentar os resultados da pesquisa, abrange, teórica e historicamente, as questões que cercam a violência contra crianças e adolescentes. O objetivo dessa publicação, segundo a pesquisadora, é dar base teórica para os cursos de capacitação profissional, ministrados por seu grupo de estudo. "Já fornecemos cursos em 11 municípios de todo o estado de Rio de Janeiro", conta. "Esse tipo de instrução é extremamente importante tanto para especializar o atendimento a crianças e adolescentes quanto para ensinar aos profissionais – principalmente de saúde e educação – como identificar os primeiros sinais de violência", complementa.

Para acabar com o silêncio

Em julho de 1990, foi instituída a lei 8.069 – conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – que regulariza os direitos de crianças e adolescentes no Brasil em acordo com a lógica dos direitos humanos. "O ECA é resultado de uma pressão internacional e nacional em defesa dos direitos humanos, direcionado ao público infanto-juvenil", explica Nivia. Contudo, a existência da legislação não assegura, na prática, mudanças de conduta em prol da proteção à integridade física e psicológica dos brasileiros menores de 18 anos.

 Reprodução
         

 Em média, são registradas, por dia, 76 denúncias
    de violência contra crianças e adolescentes

Para a pesquisadora, pôr esta questão na pauta das políticas públicas é o primeiro passo para a consolidação do ECA. "As campanhas públicas de conscientização popular são uma boa medida para mostrar os tipos de violência e orientar o cidadão sobre quando e onde procurar ajuda especializada", diz. A pesquisadora ressalta que, pelo ECA, tanto a família quanto a comunidade e as instituições públicas e privadas – escolas, hospitais, etc. – são responsáveis pela proteção e garantia dos direitos da criança e do adolescente. "Portanto, todos têm a obrigação de denunciar qualquer suspeita de infração a esses direitos", alerta.

Como parte dessa legislação, foram criados os Conselhos Tutelares, que são órgãos públicos, em instância municipal, destinados a zelar e fiscalizar o cumprimento das políticas de proteção social previstas no ECA. "Em caso de desrespeito às leis, os conselhos podem aplicar medidas preventivas, além de encaminhar as infrações ao Ministério Público para que seja aberto inquérito contra os infratores", diz a pesquisadora. No site da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH/PR), o cidadão encontra uma listagem com todos os Conselhos Tutelares do Brasil. 

Segundo Nivia, outra arma de combate à violência contra o público infanto-juvenil deveria ser a mídia, se esta agisse de forma responsável. "Salvo exceções, os meios de comunicação, em geral, fazem uma cobertura sensacionalista das notícias de violência, principalmente física, sexual e de abandono, contra criança e adolescente", diz a pesquisadora. "Isso cria, no momento de comoção, o sentimento de ‘vingança social’, que é o anseio por uma condenação a qualquer custo, mesmo que ultrapasse a legislação brasileira", complementa. "O pior é que, nessa mídia não-responsável, não há informações benéficas para o efetivo enfrentamento do problema, como mostrar os canais de atendimento à população, a exemplo do Disque 100 e dos Conselhos Tutelares", acrescenta.

"Antes do ECA, as medidas protetoras e provedoras eram direcionadas somente às crianças em situação irregular’, ou seja, em situação de risco social", diz. "A implementação do estatuto, sem dúvida, introduziu uma mudança de padrão no que se refere à garantia dos direitos humanos a todos os menores de 18 anos, sem distinção de classe, ou cor, ou qualquer outro fator discriminante", conclui Nivia.

Tão importante quanto conhecermos a legislação e as políticas, públicas e privadas, de proteção à infância e adolescência, é assumirmos a responsabilidade sobre nossas crianças e jovens, para nos sentirmos, assim, na obrigação de denunciar toda e qualquer suspeita de infração aos seus direitos. Dessa forma, ao invés de uma explosão momentânea, decorrente do espetáculo promovido por algumas mídias irresponsáveis, devemos mudar o paradigma, culturalmente, arraigado na nossa sociedade e acabar com o regime de silêncio.

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