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Publicado em: 02/06/2010
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Da censura à arte: fotos do artista Ruy Santos são tema de exposição

Danielle Kiffer

 Ruy Santos

       
   Mais de 80 mil pessoas no estádio do Pacaembu: o fotógrafo 
  aproveitava a incidência da luz para formar imagens geométricas 

Mais de 80 mil pessoas lotaram o estádio do Pacaembu, em São Paulo, em 15 de julho de 1945. E não foi para assistir a uma partida de futebol. O grande público se reuniu para presenciar o emocionado discurso de Luiz Carlos Prestes, que se pronunciava pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), pela segunda vez em público, após nove anos de prisão durante o governo de Getúlio Vargas. O poeta Pablo Neruda, senador pelo Partido Comunista chileno, veio ao Brasil especialmente para o comício e aproveitou a ocasião para ler o poema Mensagem, escrito em homenagem a Prestes. O momento, tão importante para a democracia brasileira, foi captado pelas lentes do fotógrafo e cineasta Ruy Santos.

São fotos desse acontecimento, mais alguns portraits de personalidades, como o pintor Portinari e o jornalista Samuel Wainer, e vários documentos que relatam a época de sua prisão, além de filmes dirigidos por ele, que compõem a exposição Ruy Santos: Imagens Apreendidas, em cartaz no gabinete de fotografia do Centro Cultural de Justiça Federal, no Centro do Rio, até o dia 13 de junho, com entrada gratuita. A mostra faz parte do projeto de pós-doutorado recém-doutor da pesquisadora Teresa Bastos, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), intitulado “Fotografia e comunismo: imagens da polícia política no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (Aperj)”, apoiado pela FAPERJ. As fotos e vários trabalhos de Ruy Santos foram apreendidos por ocasião da prisão do fotógrafo, em 1948. Paradoxalmente, embora tenha destruído uma parte do material, a polícia política brasileira acabou por se tornar a maior guardiã desse acervo.

 Ruy Santos
    
O poeta chileno Pablo Neruda (centro) veio especialmente 
 ao Brasil para participar do comício de Luiz Carlos Prestes
  
Das 45 fotografias que restaram do comício de 1945, 17 estão presentes na exposição. Teresa fez uma seleção a partir do que mais representava a marca registrada de Ruy Santos: colocar o povo como protagonista da imagem e a qualidade estética. “Sua principal característica é a forma como lidava com a luz em suas fotografias. A plasticidade das imagens captadas por ele é construída com linhas definidas e, principalmente, por um jogo de luzes, com claro-escuro acentuado e um controle de luz na tentativa de potencializar a cena com fortes traços geométricos”, explica a pesquisadora. Ela acrescenta ainda: “Nas fotos, o povo aparece em evidência, seja ouvindo os discursos, seja segurando faixas, mas sempre como sujeito/objeto das imagens. É sua forma de evidenciar, em elementos visuais, sua importância naquele momento da história." Sob as lentes de Ruy Santos, a multidão aparece enquadrada, registra-se a profusão de faixas onde se lê "O povo quer eleições". "De abstrato e anônimo, o povo tem o rosto, desfila, espera e lê a Tribuna Popular, enquanto aguarda o discurso dos líderes”, prossegue.

Além de retratar um momento importante de manifestação popular, as fotos revelam um período muito específico da história, em que o PCB esteve na legalidade, pôde se comunicar e mostrar seus principais representantes. "Para a polícia política aquele acontecimento foi ótimo, pois todas as lideranças e personalidades filliadas ao partido saíram finalmente 'da toca'. Assim, os inimigos vermelhos, como eram chamados os comunistas na época Vargas, puderam ser identificados e posteriormente presos."

Encontros Possíveis

Para Teresa, no entanto, o principal atrativo da exposição não é o fato histórico em si, mas a construção que se faz dele. "A mostra tem um olhar especial e propõe aos visitantes um encontro diferente. Pretendemos instigar encontros possíveis através dos arquivos. Se invertermos a maneira de olhar e colocarmos o arquivo em primeiro plano, interpondo-se sobre o real imaginado do passado, ele pode criar tempos e construir contextos. Desta maneira, as imagens deixam de nos impor uma memória do passado para se tornarem recortes do tempo”, analisa.

Teresa tem observado que as fotografias quase nunca são protagonistas de pesquisas, mas sim um complemento, uma ilustração do que se está escrito. “Como sou pesquisadora e professora de fotografia, meu olhar se volta para as imagens e sua história, e a narrativa se constrói a partir delas.”

 Ruy Santos

       
    Portrait de Samuel Wainer: uma das
    personalidades fotografadas por Santos

Da exposição, além do jornal Diário Carioca, de 28 de abril de 1948, que traz a notícia da prisão de Ruy Santos, uma vitrine expõe a carta escrita por um delegado da Divisão de Polícia Política e Social (DPS), que, segundo Teresa, representa uma prova do envio do roteiro do documentário Vinte e quatro anos de luta: como se formou o Partido Comunista do Brasil para a censura, de onde nunca mais retornou. Há ainda um artigo assinado por Jorge Amado, datado de 23 de agosto de 1946, no qual o escritor baiano enaltece o documentário, dizendo que “o filme é uma afirmação do bom cinema, de arte cinematográfica, verdadeira, colocada a serviço do povo. Arte revolucionária, para usar uma expressão que muitos querem esquecer”. Com o documentário, no qual Luiz Carlos Prestes foi filmado ainda na cadeia, o fotógrafo recebeu convite para representar o Brasil como membro efetivo da diretoria da União Mundial dos Documentaristas, em Praga, Tchecoslováquia.

De acordo com a pesquisadora, poucos sabem que Ruy Santos é considerado um dos maiores diretores de fotografia do cinema brasileiro. Para conhecer um pouco mais sobre o artista, a exposição também incluiu uma mostra de filmes, seguida de debates, com participação de Hernani Heffener, pesquisador de cinema e conservador chefe da cinemateca do Museu de Arte Moderna (MAM), José Carlos Monteiro, crítico e professor do Departamento de Cinema e Vídeo, da Universidade Federal Fluminense (UFF), entre outros.

Ruy Santos: vida e obra

Ruy Borges dos Santos nasceu em 11 de agosto de 1916, no Rio de Janeiro, onde passou grande parte de sua vida. Na adolescência, apaixonado por cinema, conquistou seu primeiro cargo no mundo que tanto o fascinava, como laboratorista de Paulo Benedetti, um dos mais importantes cinegrafistas e técnicos de laboratório do cinema brasileiro. Em 1939, Ruy passou a trabalhar no Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) do governo Getúlio Vargas. E, na década de 1940, o fotógrafo ingressou no Partido Comunista Brasileiro (PCB), onde desempenhou a função de fotógrafo, cineasta e militante.

Divulgação

        
 O fotógrafo e cineasta Ruy Santos testa seu fotômetro

O que parece um pouco controverso  – o fato de Ruy Santos ter trabalhado no DIP e logo depois ingressar no PCB –, na realidade, como conta Teresa, era um tanto comum, pois o DIP representava uma possibilidade de se trabalhar com cultura e adquirir experiência na área. “Ruy atribui sua veia documental à passagem pelo DIP, onde aprendeu e experimentou muito como fotógrafo. Posteriormente, utilizou toda essa experiência no Partido Comunista Brasileiro”, diz.

Em sua incursão pelo cinema, além de documentários, Ruy Santos dirigiu, produziu, escreveu roteiros e fez a fotografia de filmes de ficção. Ele se tornou um dos principais diretores de fotografia do cinema nacional, além de desempenhar funções de câmera. Dentre os filmes que fotografou, destacam-se O malandro e a granfina (1947); Estrela da manhã (1848-1950, também como roteirista) e O vampiro de Copacabana (1975).

Sua prisão aconteceu em 1948, ano seguinte à entrada do PCB novamente na ilegalidade, em 1947. Ruy Santos foi preso pela polícia política brasileira “para averiguações” e grande parte do seu acervo foi apreendida. O artista, que reúne em sua bagagem uma centena de filmes entre curtas, médias e longas das mais variadas propostas, morreu em 7 de março de 1989 em Cabo Frio, no Rio de Janeiro.

A pesquisadora Teresa Bastos pretende dar continuidade à pesquisa. Para ela, o próximo passo é recuperar os filmes que ainda estão dispersos e analisar a condição das películas. “Este é um projeto que acredito ser muito importante. Grande parte das obras de Ruy Santos está dispersa. Pretendo conseguir, num âmbito de projeto maior, recuperá-las e colocá-las à disposição do público, e, com isso, contribuir para que o trabalho de Ruy Santos seja conhecido e apreciado”, finaliza. Para mais informações sobre a exposição, acesse: http://pesquisafotografica.blogspot.com/2010/05/ruy-santos-imagens-apreendidas-ate-13.html

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