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Publicado em: 12/11/2003
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Em defesa de mais espaço para mulheres em cargos de chefia

ENTREVISTA: Jacqueline Leta

Depois de algum tempo de observação informal, em 2002 a pesquisadora Jacqueline Leta (foto) resolveu investigar o papel das mulheres brasileiras na ciência. O resultado da pesquisa, feita em colaboração com o britânico Grant Lewison, da City University, de Londres, ganhou o título de A Contribuição das Mulheres na Ciência Brasileira: um Estudo de Caso em Astronomia, Imunologia e Oceanografia e foi publicado na revista européia Scientometrics no início deste ano. Ao longo do trabalho, Leta, que é professora do Departamento de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), fez algumas descobertas surpreendentes; outras, nem tanto. Confirmou, por exemplo, a presença pouco expressiva de pesquisadoras em cargos de chefia e de maior prestígio. "Isso tem de mudar, porque estamos deixando de fora do sistema uma proporção significativa de competências", diz. Em abril deste ano, Leta foi convidada pelo pesquisador Jerson Lima, diretor-científico da FAPERJ, para realizar um trabalho de avaliação do impacto do Programa Cientistas do Nosso Estado. Durante intervalo em seu trabalho no órgão, a pesquisadora concedeu a seguinte entrevista ao Núcleo de Difusão da FAPERJ:

 

- Qual foi sua primeira reação ao tomar conhecimento de que o presidente Lula, ao dar posse ao novo Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, chamou-o de “clube do bolinha”? (O novo CNCT tem apenas uma mulher entre seus 24 representantes.)

 

De satisfação! Tem que ser muito cego para não enxergar as mudanças na sociedade e a incorporação cada vez maior de mulheres no mercado de trabalho, inclusive nas atividades científicas. O presidente Lula não é cego e pelo visto está atento a esse tipo de preconceito, discriminação, que acaba afastando as mulheres de cargos administrativos e de um maior reconhecimento dos pares. Espero que essa reflexão do nosso presidente se espalhe pelos comitês das agências de fomento, pelos diretores de instituições e todos aqueles que de alguma forma têm o poder de nomear pessoas para cargos de chefia e de tomadas de decisão.

 

- O que a Sra. descobriu em sua pesquisa sobre a contribuição das mulheres à ciência brasileira?

 

Esse foi um estudo piloto e trabalhei com uma amostra pequena se comparada a toda a comunidade científica brasileira. Por isso, não devo generalizar. Mas os dados que levantei mostram que é relativa a afirmação encontrada na literatura, internacional principalmente, de que cientistas mulheres produzem menos que os homens. Na verdade, o que mostrei é que a produção das cientistas mulheres nas três áreas que analisei equivale à fração que elas representam no total de cientistas de suas respectivas áreas. Isso sugere que essa é uma questão de massa crítica e não de competência.

 

- A Sra. já morou no Reino Unido e nos últimos anos tem mantido contato com pesquisadores estrangeiros. O quadro é muito diferente nos países mais desenvolvidos do hemisfério Norte?

 

Na verdade, não morei no Reino Unido. Passei apenas um mês lá, trabalhando diretamente com um inglês, um dos poucos "cientometristas" do mundo, e que já havia feito alguns trabalhos sobre gênero na ciência. Em geral, a questão de gênero na ciência, ou seja, da participação de mulheres na ciência, não é muito diferente na maioria dos países. É claro que há países em que as mulheres estão muito mais excluídas do sistema acadêmico e científico. No caso dos países de hemisfério Norte, não tenho os números precisos mas sei que lá também elas são minoria nos cargos administrativos e de maior prestígio, apesar de já serem maioria em boa parte das áreas do conhecimento. Mas um problema que existe lá e nós felizmente não temos aqui no Brasil é a questão salarial. Como as universidades e instituições de pesquisa têm autonomia para determinar os salários de docentes/cientistas o que se observa é que em geral mulheres com o mesmo perfil de homens cientistas, recebem salários menores. Isso sim me parece discriminação.

 

- A pouca representatividade das mulheres brasileiras na ciência não seria apenas um reflexo da posição ainda minoritária das mulheres nas altas esferas do poder, tanto no setor privado como no público? Na sua opinião, a presença das mulheres nos demais setores da sociedade é proporcional à representatividade delas na ciência?

 

Claro que sim. A ciência é uma atividade social e é um dos componentes da nossa cultura. Por isso não é um fato isolado, exclusivo da ciência. Mas entendo que o processo de mudança é lento e talvez seja preciso muito tempo ainda para revertermos esse quadro. A gente já percebe a presença de mulheres ocupando cargos de destaque na hierarquia do poder e temos agora ministérios ocupados por elas, por exemplo. Bem, não saberia citar números em outras atividades, mas no caso da ciência, elas hoje representam 46% dos pesquisadores cadastrados na base de dados do CNPq. Ali elas são 54% dos bolsistas de Iniciação Científica, 53% de mestrado, 48% de doutorado. Se levarmos em conta os dados da UFRJ, a maior universidade federal do país, as mulheres hoje representam quase 43% do total de docentes da instituição. Esses números são muito expressivos! E certamente esse quadro é muito diferente daquele de poucos anos atrás. Portanto, a mudança está ocorrendo, mas ela parece não estar se refletindo na maior participação das mulheres em cargos de maior destaque. Tomando ainda o caso da UFRJ, apenas 24% dos cargos administrativos são ocupados por elas e nem mesmo as unidades onde elas são maioria esse quadro se reverte. Outro dado que reforça isso é a fração de mulheres na academia brasileira de ciências. Lá elas representam menos de 10% do total de acadêmicos. Isso me faz lembrar as primeiras academias e sociedades científicas onde as mulheres eram proibidas de entrar. Talvez a diferença seja que agora a proibição é silenciosa.

 

- O que está faltando às cientistas brasileiras para dividir com os homens as principais responsabilidades no âmbito da pesquisa no País?

 

São muitos os fatores envolvidos nessa problemática. São fatores que envolvem componentes sociais, culturais, econômicos. Por isso, se eu tivesse que arriscar uma resposta para essa pergunta, diria que precisamos trabalhar para reduzir os efeitos dos estereótipos. Mostrar que quem está por traz da ciência não é um HOMEM solitário, de óculos, com barba, de jaleco... Esse é um estereótipo já bastante descrito na literatura e que é comum também entre os jovens brasileiros. Só não me pergunte como fazer isso de modo eficiente!

 

- Em seu trabalho, a Sra. pesquisou bancos de dados de agências de fomento à ciência, como o CNPq, e hoje presta consultoria à FAPERJ, outra agência de fomento à pesquisa. Mulheres e homens são tratados de maneira igualitária quando recorrem a essas instituições em busca de apoio?

 

Eu não tenho dados precisos sobre isso. Mas em conversas informais com algumas pesquisadoras verifiquei que parece haver diferenças. O exemplo que mais ouvi foi sobre as bolsas de produtividade do CNPq, que de vez em quando recebem alguns cortes. E na hora do corte, a mulher é sempre desfavorecida. Soube de alguns casos de casais de cientistas bolsistas em que o corte foi feito na bolsa da mulher. Volto a insistir que essa observação ocorreu de conversas informais, não tenho dados concretos sobre isso. Mas não descarto que isso deva ocorrer aqui. Há poucos anos uma pesquisadora sueca mostrou que pesquisadores suecos recebiam cerca de duas vezes mais recursos que pesquisadoras daquele país, com o mesmo perfil de produtividade. Se acontece lá, por que não poderia acontecer aqui?

 

- A Sra. já foi vítima de preconceito ou de insinuações relacionadas a gênero por ocupar posição de destaque no campo em que atua?

 

Não, nunca fui vítima de preconceito e gostaria de dizer que não concordo com a afirmação de que ocupo posição de destaque.

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