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Publicado em: 28/05/2009
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Pato-mergulhão, um sinal de alerta para a preservação dos rios


Vinicius Zepeda

Reprodução 

        
     De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, a ave está
     na lista dos animais mais ameaçados de extinção do País

Apesar de a maior parte da população mundial viver em grandes cidades, poluídas e com pouco verde, a natureza sempre nos ensina muito. Que o diga o médico veterinário e pesquisador da Universidade Federal Fluminense (UFF), Sávio Freire Bruno. De fala mansa, calma, tom de voz pausado que não disfarça a timidez e a simplicidade, seu jeito de ser possivelmente tem a ver com suas origens e seu trabalho com os animais. Natural de Miracema, pequena cidade do interior do estado do Rio, o pesquisador é um leão quando o assunto é defender a natureza. Autor do trabalho que reúne o maior número de imagens de espécies ameaçadas de extinção da fauna brasileira, catalogadas num único volume, o livro 100 animais ameaçados de extinção e o que você pode fazer para evitar (Ediouro, 2008), Sávio Bruno tem, desde 2003, dedicado seu tempo a estudar, observar e, segundo ele, aprender bastante com os hábitos e o comportamento do Mergus octosetaceus, popularmente conhecido como pato-mergulhão. Com apoio do programa Auxílio à Editoração (APQ3), da FAPERJ, ele acaba de lançar, em formato DVD, um documentário sobre o animal. O vídeo apresenta imagens inéditas e de difícil captação – colhidas no Parque Nacional da Serra da Canastra, Minas Gerais – desta que é uma das aves mais raras do mundo e, pelo critério da União Internacional para a Conservação da Natureza (World Conservation Union), considerada criticamente ameaçada de extinção e constando igualmente da lista dos mais ameaçados, pelo Ministério do Meio Ambiente.

Segundo Sávio Bruno, em 2003, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis, órgão do governo federal que atua na preservação da natureza) catalogava 395 espécies animais ameaçadas de extinção no Brasil. Hoje, ele lamenta o crescimento desse número, que já chega a 627. Ao falar sobre o pato-mergulhão, ele destaca a importância da preservação da água potável – aquela limpa e própria para o consumo – não só na Serra da Canastra, mas em todo o planeta. “Precisamos chamar a atenção para o fato de que ela é cada vez mais escassa em nosso planeta. No caso do rio São Francisco – um dos mais importantes do País e cuja nascente se encontra na Serra da Canastra, Minas Gerais – a poluição ameaça não só a vida dos animais (entre eles, o pato-mergulhão), como também das populações humanas que habitam seu entorno”, explica. E prossegue: “Se nada for feito pelo homem para evitar a poluição das águas, as próximas gerações poderão assistir a uma crise jamais vivenciada pela espécie humana: a escassez de água e as consequências sociopolíticas dela decorrentes. Devemos recordar que esta escassez já é uma realidade em certas regiões do planeta", comenta.

 Web Rádio Morro Azul
        
  Sávio Bruno: um leão quando o 
  assunto é defender a natureza
O pato-mergulhão é de natureza arisca e sua população é extremamente exígua. As imagens do vídeo foram colhidas entre os anos de 2006 e 2007 pelo professor  Sávio Bruno, que contou com a colaboração de seus alunos. Em equipe, descreveram sua biologia, com destaque para os aspectos biogeográficos, hábitos alimentares, características reprodutivas, cuidados parentais e principais ameaças a suas populações. O documentário, intitulado Pato-mergulhão: Biologia e conservação do pato-mergulhão (Mergus octosetaceus) no Parque Nacional da Serra da Canastra e entorno, Minas Gerais, Brasil (2009), destaca a ave como um ótimo indicador de qualidade ambiental, pois se reproduz e sobrevive em ambientes extremamente limpos, como alguns rios de florestas tropicais, pequenos, caudalosos, ricos em corredeiras, com águas cristalinas e oxigenadas fluindo entre as rochas. “Seu nome popular tem origem em uma de suas características mais marcantes, que é o fato de mergulhar para se banhar e buscar alimentos. Ele pode ficar até um minuto submerso”, ensina o pesquisador. Ele acrescenta que as primeiras imagens do animal foram colhidas em 1981 pelo alemão Wolf Bartmann, na Serra da Canastra. “Ao falecer, em 2003, Bartmann deixou um legado de conhecimento da biologia da espécie para o mundo todo. Meu trabalho é a continuidade do que com ele aprendi,  e do que desenvolvemos juntos, nos anos de convívio e amizade", acrescenta.

Segundo o documentário, o pato-mergulhão tem registros em pequenos tributários do rio Paraná, no Paraguai, na província de Las Missiones, na Argentina, e no Brasil, nos estados de Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Goiás, Tocantins, Bahia e Minas Gerais. No século XIX, ele podia também ser encontrado no Rio de Janeiro. No entanto, a falta de planejamento para a expansão das cidades, o direcionamento inapropriado do lixo produzido, a perda das matas ciliares, entre os vários fatores que influíram para o assoreamento dos rios e a perda da qualidade de suas águas, contribuíram para extingui-lo do território fluminense e de diversos outros locais, como acrescenta o pesquisador. “Hoje, ele praticamente está restrito a três áreas de proteção ambiental: o Parque Nacional da Serra da Canastra, em Minas Gerais; o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás; e o Parque Estadual do Jalapão, em Tocantins. E não tem sido mais avistado em outros países da América do Sul, como o Paraguai e Argentina”, complementa.  

Quanto às características físicas, o animal não tem uma cor tão exuberante quanto à de outros patos. “O macho é um pouco mais robusto e apresenta um penacho maior. A cor da cabeça varia de acordo com a luminosidade da região que habita, e vai do negro ao verde-garrafa mais intenso. A porção baixa do pescoço, asa e dorsos são acinzentados, à exceção da porção interna de suas rêmiges secundárias, que são as penas do espelho interno das asas”, explica Sávio Bruno. Os pés são vermelhos e o bico longo, fino e serrilhado é adaptado para sua alimentação, composta principalmente de peixes e de pequenos invertebrados debaixo d’água e sobre a vegetação ribeirinha. “O bico longo e serrilhado é essencial para capturar peixes, em grande parte lambaris, entre pedras e corredeiras, além de segurar os alimentos”, complementa.

Aves são monogâmicas e bastante zelosas com seu habitat e com sua família

A paixão de Sávio Bruno pelo que faz é tanta que durante as férias ele trabalha. “Durante a semana, estou atarefado, ensinando alunos na UFF. Também coordeno e participo de vários projetos voltados ao ensino, pesquisa e extensão universitária", diz. Dentre eles, a extensão do Hospital Veterinário da UFF, onde atua com sua equipe nos cuidados com animais silvestres e coordena um curso de pós-graduação, um projeto de extensão, de treinamento a profissionais que querem dedicar-se a fauna e as questões ambientais. Em Iguaba Grande, no litoral fluminense, orienta pesquisas sobre outras espécies ameaçadas de extinção, no núcleo experimental da Faculdade de Veterinária, da UFF. 

  Reprodução

  
O ritual de acasalamento em dois momentos: à esquerda, a fêmea se estica toda na superfície da água.
 À direita, o macho empurra a fêmea com o peito para mostrar o quanto pode ser cuidadoso e dedicado
 

Nos períodos de recesso escolar, prioritariamente, viaja à Serra da Canastra para desenvolver dois projetos. "Além do trabalho com o pato-mergulhão, também estou realizando um levantamento vídeo-fotográfico da fauna local”, explica o pesquisador. “Apesar da imagem que as pessoas podem ter de que trabalho em contato com natureza, relaxado, não é bem assim. Temos que sair à campo às primeiras luzes da manhã, ficar atentos o tempo todo, tomar precaução para não sermos surpreendidos por nenhum predador. Evidente que o contato com as diferentes expressões que a natureza se manifesta nos proporciona grandes ensinamentos e reflexões, que nos ajudam a evoluir não só através do saber em si, mas também espiritualmete", comenta.

Apesar de solteiro e sem filhos, como educador, Sávio Bruno se sente bastante responsável pela formação de seus alunos e se mostra extremamente realizado com as demonstrações de admiração e afeto que vem recebendo ao longo dos anos. Ele, inclusive, aproveita a solidão do trabalho de campo para fazer reflexões a respeito de como os homens têm esquecido de cuidar uns dos outros. “No caso do pato-mergulhão, os casais têm vida longa e um período reprodutivo que se estende por anos a fio, principalmente em junho e julho, o inverno brasileiro”, explica. “O casal fica junto por toda a vida, sempre no mesmo trecho do rio, que varia de cinco a dez quilômetros de extensão. Além disso, escolhem bem o local onde realizarão o ritual de acasalamento e que lhes servirá de habitat, e cuidam com muito zelo dos filhotes até que eles se tornem independentes”, explica. A observação da natureza, na opinião do pesquisador, traz ensinamentos diários. "O próprio comportamento da ave nos dá esse exemplo. Quando os filhotes estão deixando o ninho, os pais os incentivam com sons a  empreender os primeiros mergulhos à cata de alimentos", observa.     

A descrição que o documentário faz do ritual de acasalamento também é outro ponto marcante na história dos patos-mergulhões. Durante a corte, eles fazem uma série de movimentos para excitar e manter os laços entre os parceiros. A fêmea permanece imóvel, com cabeça e pescoço esticados de maneira a formar uma tênue linha sobre a superfície da água. Às vezes, ela balança rapidamente as asas, emitindo um som rouco direcionado ao macho. “Este comportamento estimula o macho, que dá curtos e vigorosos mergulhos por debaixo da fêmea, na tentativa de convencê-la do quanto é saudável e viril. Em outro momento, passa a empurrá-la com o peito para demonstrar o quanto pode ser cuidadoso e dedicado”, explica Sávio Bruno. Já o ato sexual em si resulta na principal característica que diferencia fisicamente os machos das fêmeas. “Ele monta sobre a fêmea e usa seu próprio bico para prender-lhe o penacho. Frequentemente, com o peso de seu corpo, o macho chega a submergi-la completamente. Desta maneira, as repetidas cópulas acabam tornando o penacho da fêmea bem menor que o do macho”, acrescenta. 

No momento, o pesquisador se encontra na Serra da Canastra, estudando os primeiros momentos em que o pato-mergulhão começa a procriar. Ele sonha com uma edição revista, ampliada e bilíngue do documentário para ser divulgada não só no País, como no exterior. E alerta sobre a destruição do meio ambiente pela ação humana. “Desde o começo da existência do nosso planeta, muitas espécies animais evoluíram ou se extinguiram por catástrofes ambientais e fenômenos naturais, como os dinossauros, por exemplo. A extinção é um processo natural. Temos que deixar que a vida flua e evolua, mas não podemos deixar que ela se extingua por nossa ação”, conclui.

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