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Publicado em: 02/04/2009
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Baixada Fluminense: saneamento e engenharia no século passado


Vilma Homero


 Reprodução

    
       Aquarela de Thomas Ender retrata fazenda em meio ao
      bucolismo da Baixada Fluminense
 de início do século XIX  
Em princípios do século XIX, naturalistas e viajantes estrangeiros descreviam encantados as belezas naturais da Baixada Fluminense. Panorama que mudaria drasticamente nas décadas seguintes. Acompanhando em parte as mudanças na região ao pesquisar o trabalho da Comissão Federal de Saneamento da Baixada Fluminense, entre 1910 e 1916, a professora Simone Fadel, da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, transformou em livro seus estudos. Em Meio ambiente, saneamento e engenharia no império e na primeira república, ela foca o trabalho dos engenheiros, atores que tanto mudaram a face daquela região nos primeiros anos do século XX. O livro, publicado com apoio da FAPERJ e com lançamento previsto para 30 de abril – data que marca o Dia da Baixada Fluminense –, também ajuda a preencher a lacuna sobre o trabalho do setor de engenharia, alvo de raros trabalhos de historiadores.

"Embora tenha havido ações anteriores, é certo afirmar que a Comissão Federal de Saneamento da Baixada Fluminense foi a primeira a efetivamente utilizar recursos públicos para traçar caminhos de intervenção técnica ao meio ambiente, especificamente às bacias hidrográficas, que tornavam a Baixada, à época, um espaço social marcadamente insalubre e desvalorizado", diz a autora. Representante da Uerj no Conselho Municipal de Meio Ambiente de Duque de Caxias, Simone Fadel faz essas afirmações depois de analisar os relatórios do período, fontes primárias, realizando um trabalho que até então ainda não tinha sido feito.

Em 1809, a Baixada ainda era um cenário que o inglês John Mawe descrevia nas seguintes palavras: "...velejamos seis léguas baía adentro, chegamos à desembocadura do Inhomirim, rio pitoresco cujo curso sinuoso oferece grande variedade de belos aspectos. (...) Depois de ter subido pelo rio duas léguas, chegamos a uma aldeia denominada Porto Estrela, muito animada pelas numerosas tropas carregadas de produtos do interior, que a elas chegam a todo momento". Em meados do século XIX, a construção das estradas de ferro – que levariam ao declínio econômico os inúmeros portos e as vilas do entorno, que viviam em função do movimento fluvial –, também contribuiu para o estrangulamento dos rios, problema que se somaria à ausência de limpeza e de tratamento dos canais locais. O resultado foi o alagamento de amplas áreas antes salubres, que se transformaria em criadouro de mosquitos e foco de febres, como a famigerada malária.

"Após a construção das estradas de ferro, a começar pela de Mauá e, posteriormente, pela Central do Brasil, Leopoldina, Rio do Ouro e auxiliar, a estagnação de águas ao longo das linhas junto aos aterros e a insalubridade dessas zonas logo se fizeram sentir. Isso motivou o êxodo das populações que em outros tempos habitavam esses lugares", explica a autora.

"Quando, em 1906, se dá início às obras para captação das águas do rio Xerém para abastecer a cidade do Rio de Janeiro, essa situação de insalubridade da Baixada se torna ainda mais evidente", fala a pesquisadora. Para enfrentar a doença, endêmica na região, engenheiros e médicos trabalharam em conjunto durante o andamento do projeto. Enquanto os primeiros tocavam as obras, os médicos distribuíam quinino e tratavam os trabalhadores doentes. Mais tarde, esse tipo de atendimento serviria para como modelo para o que o sanitarista Oswaldo Cruz procuraria implantar na construção da estrada de ferro Madeira–Mamoré, em Rondônia, no interior da Amazônia.

Criada em dezembro de 1909, durante os poucos meses de governo do presidente Nilo Peçanha, a Comissão Federal de Saneamento da Baixada Fluminense nasceu com objetivo de erradicar os focos de malária por meio de obras de engenharia. No livro, a autora se detém particularmente na atuação de Fábio Moraes Rego, profissional que deixou sua marca na comissão. Designado engenheiro-chefe em dezembro de 1910, permaneceu no comando até a extinção da comissão, em 1916. De reconhecida reputação, com experiência na projeção de obras hidráulicas que envolviam estudos de rios, mares, meteorologia e topografia, Moraes Rego já havia atuado na construção da estrada de ferro São Paulo–Rio Grande antes de ser convidado a fazer parte da Comissão Federal de Saneamento da Baixada Fluminense.

 
      
 
Em 1913, já como chefe da comissão, Moraes Rego viajou à Europa, onde esteve estudando os portos de Londres, Hamburgo, Antuérpia, Roterdã e Havre e a navegação interior dos países visitados. Na Alemanha, também procedeu ao estudo do saneamento e irrigação do vale do Oder. "A viagem indica que seu objetivo era proceder ao saneamento da Baixada tendo como referência a engenharia hidráulica associada ao saneamento, a partir dos trabalhos de ponta apresentados à época", explica Fadel. Ela conta ainda que Moraes Rego também defendia o uso público de recursos naturais, como a água, e chegou a criticar a forma como foram planejadas e construídas as estradas de ferro e o desmatamento local. Contra essa atividade predatória, ele chegou a propor a criação de um código florestal para normatizar o uso e preservação da cobertura vegetal.

"De 1916 a 1933, nada foi feito, houve um vazio institucional na Baixada. Em 1936, como os problemas da Baixada persistissem, no lugar da extinta Comissão Federal, foi criada a Diretoria Municipal de Saneamento da Baixada Fluminense. Isso significa, a meu ver, um avanço, uma vez que não se trata mais de uma comissão com tempo definido de existência, mas a criação de um órgão direcionado à questão do saneamento, que passa a existir no quadro estatal", explica. Mais tarde, essa diretoria dá lugar ao Departamento Nacional de Obras e Saneamento.

A cada uma dessas mudanças institucionais, muda-se também a perspectiva. "Em 1933, a ênfase é estabelecer a ótica e a propaganda do Estado Novo, desmerecendo o que havia sido feito anteriormente. Além disso, o país passa por transformações urbanas. Agora, além das ferrovias, outrora símbolo da modernidade, é preciso também levar em conta as mudanças ocorridas com a abertura das novas rodovias", fala.

Ao olhar atento da pesquisadora, essas transformações se tornam bastante visíveis. Analisando os relatórios anuais da comissão federal e os do DNOS, é possível ver que nos primeiros, há um grande número de dados, detalhando a situação de cada área, desde características geográficas e populacionais, a propostas de criação de fazendas experimentais e campos de demonstração, para estimular a ocupação e o desenvolvimento agrícola das terras que seriam saneadas após o trabalho da comissão. "Já nos relatórios escritos sob a ótica do Estado Novo, há 70% de fotos, mas os dados são bem mais escassos. O que se tem é propaganda do saneamento da área", comenta a pesquisadora.

Mas ela também chama atenção para o fato de que a visão que se tem hoje de meio ambiente certamente não é a mesma que orientava as ações de início do século passado. "Se hoje a questão ambiental está posta, isso não acontecia em 1910. Atualmente, criticam-se muito certas medidas tomadas àquela época. Mas devemos lembrar que não se pode analisar os fatos sem uma perspectiva histórica. Além disso, os profissionais envolvidos, como o próprio Moraes Rego, eram de alto nível, que frequentemente viajavam ao exterior e tinham conhecimento da tecnologia de ponta usada então", ressalta.

No âmbito da comissão, as intervenções realizadas no período compreenderam a união, através de canais, de diferentes bacias hidrográficas, drenagem e dragagem de rios e canais, e a retificação de rios antes tortuosos, para citar alguns exemplos. Ações que foram norteadas pelas idéias de modernização vigentes naqueles anos. "Ao mesmo tempo, buscou-se efetivar ações que permitissem a permanência dos trabalhos realizados. Daí a importância que cada relatório da comissão confere à ocupação dos terrenos, à ação dos poderes públicos, à formação das fazendas-modelo e de propostas semelhantes. De certa forma, percebe-se uma visão globalizante, que se revela muito próxima do que hoje se considera como desenvolvimento sustentável", resume Fadel.

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