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Publicado em: 13/11/2008
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Oficinas ajudam deficientes visuais a perceber o mundo ao redor

Rosilene Ricardo

Fotos de Divulgação/IBC

     
Cegos aprendem a conhecer o outro e o espaço à volta
Imagine não conseguir ver o mundo que nos cerca e mesmo assim ter que aprender a viver nele. Esse desafio é uma realidade para mais de um milhão de cegos e 4 milhões de deficientes visuais, que segundo dados do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) existem no Brasil. No Instituto Benjamin Constant (IBC), a oficina de Experimentação Corporal procura promover e ampliar os modos pelos quais os deficientes visuais experimentam e conhecem o próprio corpo e o mundo a sua volta. Prática de intervenção proposta pela pesquisa Perceber sem Ver: corpo e subjetividade entre deficientes visuais, coordenada pela professora Marcia Moraes, do departamento de Psicologia da Universidade Federal Fluminense, a oficina realiza atividades nas áreas de teatro e dança para, visando promover experimentações corporais diversas que levem progressivamente a uma maior autonomia e independência.

O trabalho, que tem o apoio da FAPERJ, é realizado por meio de uma parceria entre a UFF e o instituto, e conta com nove jovens, graduandos e mestrandos de psicologia da UFF, estudantes de dança da pós-graduação da Faculdade Escola Angel Vianna, que organizam as oficinas. Nelas, procura-se trabalhar a percepção do corpo, os movimentos, a noção de espaço e as diferentes texturas dos objetos. A finalidade de tudo isso é que, por meio dessas experimentações e sensibilizações corporais, os deficientes visuais integrantes do grupo podem conhecer melhor o espaço a sua volta, o outro e a si mesmos.

Os encontros acontecem duas vezes por semana, têm duas horas de duração e são vias de mão dupla. Como explica Marcia, a participação de todos é fundamental. "São eles que avisam o que funcionou ou não, que indicam o que é mais importante de ser trabalhado na oficina", diz. Uma das demandas do grupo, por exemplo, foi trabalharmos com a orientação do corpo no espaço em função dos sons que venham de diferentes lados do ambiente. "Para quem perde a visão é crucial orientar-se no espaço pelo som, o que implica um processo de reaprendizagem, de reordenação dos sentidos e do próprio corpo. Em vários encontros, as experimentações corporais visavam exatamente isso, promover essa articulação entre corpo e som, em atividades lúdicas, envolvendo sons diversos e movimentos variados do corpo."

Algumas experimentações corporais envolvem sensibilizar o corpo para objetos com diferentes texturas, outras promovem atividades ligadas ao equilíbrio do corpo, enquanto outras exploram o espaço. "Ao fim de cada encontro, sempre há um tempo de discussão para que os participantes possam falar daquilo que foi experimentado, propondo e indicando caminhos a serem seguidos. Nesse espaço de discussão é possível saber o que, para o grupo, é relevante ser trabalhado", diz Marcia. Muitas vezes, discute-se também o que não funcionou – ou, pelo menos, não como foi inicialmente planejado.

"Numa das oficinas, colocamos uma venda nos olhos dos participantes com baixa visão para que todos pudessem experimentar a condição de não ver. No final, porém, um dos integrantes, que havia ficado cego há pouco tempo, protestou contra o uso das vendas, argumentando que elas produziam uma cegueira ‘artificial, de mentira’, enquanto a cegueira dele era real", conta. O protesto levantou uma série de discussões no grupo sobre o que é ‘ver’ e o que é ‘não ver’. Para as pesquisadoras, foi um momento decisivo no trabalho porque a intervenção com as vendas foi colocada em xeque, problematizada e discutida pelo grupo.

Seja a dança de roda ou objetos como elástico e bola, tudo ajuda no processo de sensibilização do corpo e percepção do espaço

O desejo de realizar uma pesquisa com deficientes visuais surgiu em 2003, quando Marcia esteve no Instituto Benjamin Constant, observando uma das oficinas de artes com crianças do instituto. No ano seguinte, já com o apoio de bolsas de iniciação cientifica da FAPERJ, a professora organizou sua primeira oficina de Experimentação Corporal, destinada aos integrantes da oficina de Teatro do IBC, atividade extracurricular oferecida aos alunos da escola. Naquela etapa da pesquisa, o trabalho consistia em levar os jovens atores, alguns cegos e outros com baixa visão, a "encarnar" seus personagens. Ou seja, fazer com que construíssem corporalmente os manejos e os gestos dos personagens que interpretariam na peça que seria encenada no final do ano letivo.

 "Uma das crianças, com cegueira congênita, tinha várias estereotipias, como balançar as mãos, coçar-se, o que dificultava que seu personagem fizesse uso de um objeto que lhe era destinado: uma bengala. Como não era um objeto que usasse em seu cotidiano, e em função de seus movimentos repetitivos, produzidos de forma quase automática, ele a balançava em várias direções", lembra. Para dar conta do problema, e percebendo que o menino gostava de música, as pesquisadoras sugeriram que, em vez da bengala, ele construísse seu personagem usando um pequeno tambor. "Como ele era exímio ritmista, pôde inserir o movimento estereotipado das mãos em algo que fazia sentido: batucar num tambor, fazer música. E ele logo notou que precisava ajustar o ritmo da batucada para que os outros pudessem acompanhá-lo na hora da apresentação da peça. Algum tempo depois, o pai nos contou que a estereotipia havia melhorado até em casa."

Outro desafio foi ensinar a uma menina de 10 anos, que nunca enxergou, a interpretar uma bailarina – seu papel na peça de fim de ano no IBC. Como mostrar-lhe a leveza e suavidade de movimentos para que ela conseguisse compor o personagem? Para isso, o grupo esticou um lençol a certa altura do chão, colocando por cima dele uma grande bola com um pouco de arroz em seu interior. Embaixo do lençol, os alunos podiam sentir a bola passar de um lado para o outro. Logo, a menina pôde associar os movimentos da bailarina à leveza da bola. "Não queríamos que ela imitasse exatamente o que faz uma bailarina, mas fazer com que o público identificasse nela o personagem. Foi um processo longo, mas ela pôde interpretar a bailarina a partir dessas percepções. Ficou lindo", emociona-se.

  
Aprendizado tem bons resultados na vida cotidiana 
 
Em 2008, o grupo deixou de trabalhar com crianças e passou a fazer Oficinas de Experimentação Corporal com jovens e adultos. Os exemplos bem-sucedidos têm sido muitos. Um dos participantes, que em casa tinha o hábito de passar o tempo sentado no sofá e andava apenas acompanhado da esposa, com o tempo, começou a ganhar independência e, hoje, além de não ficar mais o tempo todo sentado em casa, vai para o curso sozinho e ainda sai para dançar com a mulher", conta Marcia.

"Quando você perde a visão, você morre e nasce de novo", fala Camila Araújo Alves. Aos 18 anos, ela é deficiente visual desde os 14 devido a uma doença congênita. Da revolta à aceitação, Camila passou por várias fases difíceis enquanto perdia gradativamente a visão. A determinação para ingressar na universidade a levou a estudar com enorme afinco. O resultado compensou: dos seis vestibulares que prestou, passou em quatro e acabou optando pelo curso de Psicologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), onde conheceu a professora Marcia.

Camila não só passou a participar das oficinas de Experimentação Corporal como também é membro da equipe de pesquisa. Além disso, Camila passou pelos cursos de reabilitação no instituto. "Nas aulas de Atividades da Vida Diária, e de Orientação e Mobilidade, reaprendi a fazer uma série de atividades cotidianas e pude reconquistar uma certa autonomia. Hoje, moro com a minha prima, mas me viro sozinha", diz Camila.

Outro caso que ainda emociona a equipe foi de uma jovem que, ao se tornar deficiente visual, viveu 30 anos isolada, sem sair de casa. Agora, aos 46 anos, a mãe a levou para conhecer o processo de reabilitação no instituto. Na Oficina com o grupo, ela vem obtendo resultados surpreendentes. Atrofiada por falta de movimento, ela já consegue abrir a mão e mexer os dedos. "O que pode parecer pouco para muita gente, como levantar ou mover partes do corpo, para nós são grandes conquistas, comemoradas por todos", diz Marcia Moraes.

Uma escola de referência

O Instituto Benjamin Constant é um centro de referência nacional para as questões de deficiência visual. Conta com uma escola, onde estudam 670 alunos, capacita profissionais, assessora instituições de ensino, faz consultas oftalmológicas gratuitas à população, organiza atividades de reabilitação, produz material impresso em braille e publicações jornalísticas e científicas. Segundo assessores da instituição, no processo educacional do deficiente visual é importante considerar a estimulação precoce, que atende crianças de zero a quatro anos, cegas e de baixa visão, promovendo o desenvolvimento psicomotor e afetivo indispensáveis para seu ingresso na pré-escola.

Há ainda intensa procura pelos cursos de braille, sorobã (calculadora), orientação e mobilidade, atividades da vida diária e educação física (com atletismo, natação, futebol, goalball, modalidade esportiva praticada somente por cegos) e atendimento a surdo-cegos. O IBC ainda presta atendimento preventivo, com consultas oftalmológicas, tratamento ambulatorial e cirúrgico à comunidade (operações de catarata, glaucoma e pterígio) além de cursos de capacitação para professores, aberto a profissionais de todo o Brasil.

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