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Publicado em: 08/05/2008
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Um passeio pela alma negra no centro do Rio de Janeiro

Vilma Homero

Ivo Venerotti 

  
 Uma das paradas do passeio é no Paço Imperial,
 onde a princesa Isabel anunciou a Lei Áurea

Se você pensa que o chorinho e o maxixe surgiram em noites boêmias, no ambiente enfumaçado dos bares, não podia estar mais enganado. Os primeiros acordes do gênero nasceram a plena luz do dia, em meio às navalhas afiadas das barbearias, ao pé do Morro do Estácio, mais exatamente na Cidade Nova. Se quiser conhecer essas e outras particularidades do Rio de Janeiro, em especial as relativas à contribuição do negro à vida carioca não pode perder "Caminhando por negras geografias no Centro do Rio", na próxima terça-feira, dia 13 de maio. Com este programa, o Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Espaço e Cultura (Nepec), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), pretende marcar a passagem da promulgação da Lei Áurea, uma forma de enfatizar a data da abolição da escravidão no país.

Este roteiro – parte de um projeto inicialmente elaborado pelo professor João Baptista Ferreira de Mello, do Departamento de Geografia Humana, da Uerj, como trabalho de campo de seus alunos de graduação, e há nove anos ampliado para atingir um público maior – foi traçado especificamente para a data. Começa às 9h, na estação do metrô da Praça Onze, segue para uma visita ao Sambódromo e outra ao Terreirão do Samba e ao palco João da Baiana, passa pela Escola Tia Ciata, pela Igreja de Santana e pelo Campo de Santana. Entra pela Rua Buenos Aires, segue pela Uruguaiana, parando em frente à Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito (ex-catedral da cidade), passando pelas ruas do Ouvidor e do Carmo até fazer ponto final na Praça XV, detendo-se no antigo Paço Imperial, de onde – numa sacada do segundo andar – a princesa Isabel de Bragança e Bourbon comunicou aos súditos que ocupavam o largo abaixo a promulgação da Lei Áurea. "Nosso objetivo é aproximar o carioca de uma geografia urbana que ele pouco conhece, levá-lo a olhar com mais atenção e entender os detalhes dos lugares por onde passa distraído todos os dias, mas que guardam boa parte da história do Rio", explica João Baptista, um confesso apaixonado pela cidade. Ou ainda, como ele mesmo diz: "o que procuramos é traduzir a geografia e a alma da cidade para o carioca."

E o que não faltam são histórias. A Escola Tia Ciata, por exemplo, está plantada em um local intimamente ligado ao nascimento do samba, como todos sabem. Exatamente onde hoje se ergue a escola, morava a baiana, mãe de santo famosa pelas reuniões que promovia em sua casa, ponto de encontro de gente de candomblé, capoeiristas e sambistas nos primeiros anos do século XX. Ao contrário da renhida perseguição a que esses grupos estavam sujeitos, no endereço da antiga Rua Visconde de Itaúna – área que desapareceu para dar lugar à construção da Avenida Presidente Vargas – reinava absoluta tranqüilidade. "Contam que, desde que o então senador Pinheiro Machado se vira livre de um problema de saúde por obra e graça de tia Ciata, o pandeiro autografado que deixou de presente servia de salvo conduto não só para as reuniões que aconteciam na casa, mas também às andanças do marido de Ciata pela cidade", conta João Baptista.

  Ivo Venerotti 

    
 Durante a caminhada, João Baptista comenta as
características arquitetônicas do casario do Centro

 
Outro ponto do roteiro que, segundo o professor, guarda riqueza histórica e geográfica é o Campo de Santana. "Na verdade, são dois endereços num só lugar: a parte externa é a atual Praça da República, mas o parque em seu interior continua sendo Campo de Santana." Lembra João Baptista que o local já abrigou a Igreja da Confraria de Santana, santa de devoção dos negros, derrubada em meados do século XIX para dar lugar à Estação Ferroviária D. Pedro II, a Central do Brasil, e reerguida na antiga Rua das Flores, que a partir da construção da igreja passou a ser chamada de Rua de Santana. "A área hoje ocupada pelo parque, parte do mangal de São Diogo, de terras alagadiças e sem valor, havia sido herdada por escravos que não a conseguiram sustentar. Mais tarde, ainda no período colonial, foi transformada pelo conde de Resende em depósito de lixo da cidade, já que se situava fora da área urbana, cujos limites iam até a Rua da Vala (atual Uruguaiana)",afirma João Baptista. Com a chegada da Corte portuguesa ao Brasil, o lugar foi devidamente urbanizado para tornar-se um grande parque. "Esse parque foi palco de grandes acontecimentos históricos, como o casamento de D. Pedro I com a princesa Leopoldina, a aclamação de D. Pedro I como primeiro imperador do Brasil e ainda cenário da proclamação da República", diz.

Não se pode esquecer que toda a área da Praça Onze e adjacências, que se estendiam até as proximidades do Estácio, constituíam no final do século XIX, início do XX, a chamada Pequena África do Rio de Janeiro, perímetro onde se concentrava a população negra e pobre da cidade. "Ali no Estácio, surgiu a primeira escola de samba do Rio, a Deixa Falar." A antiga região do Mangal de São Diogo, que ao longo do século XIX foi aterrada e transformada na Cidade Nova, passa mais tarde por um processo de deterioração. É quando se torna zona de prostituição, o Mangue, lembrando sua antiga origem. Até que, em meados dos anos 1960, 1970, o velho casario é derrubado em mais um processo de reurbanização dos chamados bairros que estão no meio do caminho, e o lugar volta a se chamar Cidade Nova, onde se instalam os prédios da administração municipal. Não por acaso, apelidados pela criatividade carioca de Piranhão, com forte expressão da memória simbólica que remete a sua ocupação anterior.

Entre um e outro dos vários pontos comentados, o professor ainda tece comentários sobre a arquitetura do casario remanescente do século XIX que ainda ocupa o trajeto percorrido durante a caminhada e lembra casos pitorescos. Um deles é Zé Pereira, português pançudo e alegre, um dos precursores das brincadeiras de rua ao sair batendo bumbo pela Ouvidor afora durante os festejos de carnaval. Histórias que as cerca de 50, 60 pessoas que costumam acompanhar os passos do professor João Baptista pelas ruas do Centro do Rio adoram ouvir. São arquitetos, aposentados, donas-de-casa, professores, funcionários e alunos da Uerj, num grupo que não se dispersa antes de chegar à última parada do roteiro. Às vezes, o número de inscritos extrapola. Houve casos de 80, de mais de cem pessoas aparecendo no lugar marcado. Nessas horas, a ajuda dos monitores, que além de responsáveis pelas inscrições, repetem os comentários do professor, abafados pelo barulho do trânsito, se torna imprescindível. Não é por acaso que os voluntários Melissa dos Anjos e Ivo Venerotti, e os bolsistas Olha Figueiredo e Jean de Carvalho participam do projeto. Estudantes do curso de geografia, eles também foram atraídos pelo enfoque da geografia humanística e por desvendar esse Rio de Janeiro de tantas histórias pouco conhecidas. Ou como profere João Baptista, "esta Cidade Maravilhosa de São Sebastião do Rio de Janeiro, de tantos pulsares, histórias e geografias pouco conhecidas e ainda por serem decodificadas".

Ivo Venerotti 

    
   Outro roteiro procurado é o noturno, em que vários
   pontos conhecidos do Rio são vistos sob outra luz
Estudante do 7 período, Jean de Carvalho começou como voluntário e agora com uma bolsa de Incentivo à Graduação, da FAPERJ, está desenvolvendo sua monografia sobre o lugar onde mora, a Maré. "A Maré é um ponto estratégico da cidade porque fica num cruzamento entre as linhas Amarela, Vermelha e a Avenida Brasil. Estou fazendo uma abordagem histórica e geográfica da comunidade, que surgiu nos anos 1940, com as antigas colônias de pescadores, e acompanhando a reorganização do espaço urbano até hoje, em que essa geografia sofre influência do tráfico de drogas e as disposições impostas pelas diferentes facções que o dominam", explica.

"Caminhando por negras geografias" é somente uma parte do evento Negras Geografias. Às 18h, no  auditório 11 do Pavilhão Reitor João Lyra Filho (1 andar, bloco F), na Uerj, com entrada franca, "Negros e geográficos pulsares em certos versos e eternas canções" reunirá músicas e a mesa-redonda "Negras trajetórias". Esta mesa contará com a participação de celebridades, como a ex-Miss Brasil 1964 Vera Lúcia Couto, que, ao classificar-se entre louras e morenas e ficar com o 3 lugar no certame de Beleza Internacional, nos Estados Unidos, conseguiu quebrar um tabu; e também do escritor Paulo Melgaço; do escrivão da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos, Vanderli Teixeira de Faria; do ator e presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos e Diversões, Paulo Coutinho; e do ativista gay do grupo Arco-Iris, Cláudio Nascimento. Será mais uma forma de se expor e discutir a participação do negro ao longo da história e da geografia carioca. É bom lembrar ainda que o projeto Roteiros Geográficos do Rio de Janeiro tem outros quatro programas: Reconhecendo o Centro do Rio a pé, Ecos da cultura na Cidade Nova e na Praça Onze dos bambas do samba, (Re)conhecendo a periferia do Centro do Rio a pé, e Roteiro noturno no Centro do Rio a pé. Todos com inscrições gratuitas pelo e-mail roteirosgeorio@uol.com.br . Mais informações pelo telefone: (21) 8871-7238

Confira abaixo os roteiros:

(Re)conhecendo o Centro do Rio a pé: encontro no alto do pátio do Mosteiro de São Bento (Rua Dom Gerardo, 40). Assiste-se a cinco minutos da missa com cantos gregorianos), vista panorâmica da área portuária e da Baía de Guanabara, Avenida Rio Branco, igreja da Candelária, Centro Cultural Banco do Brasil, Rua Visconde de Itaboraí, Rua Buenos Aires, Beco das Cancelas, Rua do Ouvidor, Travessa do Comércio, Praça XV, Paço Imperial, Rua São José, bondinho de Santa Teresa, Esplanada de Santo Antônio, Catedral Metropolitana de São Sebastião do Rio de Janeiro, Cinelândia, Museu Nacional de Belas Artes.

Ecos da cultura na Cidade Nova e na Praça Onze dos bambas do samba: encontro na estação do metrô Estácio, Cidade Nova, Avenida Presidente Vargas, Praça Onze, monumento a Zumbi dos Palmares, Sambódromo, Terreirão do Samba/palco João da Baiana – vista para o Morro da Favela/Providência – Escola Tia Ciata - Igreja de Santana.

Roteiro noturno no Centro do Rio a pé: Catedral Presbiteriana do Rio de Janeiro, Real Gabinete Português de Leitura, Igreja Nossa Senhora da Lampadosa, Avenida Passos, Praça Tiradentes e arredores, Rua da Constituição, Avenida Gomes Freire, Rua do Lavradio, Esplanada de Santo Antônio, Largo Braguinha, Rua Mem de Sá, Arcos da Lapa, Rua Joaquim Silva, Escadaria Selaron, Largo Nelson Gonçalves. Sala Cecília Meireles.

(Re)conhecendo a periferia do Centro do Rio a pé: Centro Cultural Light, Palácio Itamaraty, Gare Dom Pedro II/Central do Brasil, Campo de Santana, Rua da Constituição (Museu do Rádio), Rua República do Líbano (Centro Cultural Hélio Oiticica), Avenida Gomes Freire, Avenida Passos, Real Gabinete Português de Leitura, Rua Luís de Camões, Largo de São Francisco, Rua Uruguaiana, Largo da Carioca, Avenida Treze de Maio, Teatro Municipal (visita guiada de 50 minutos), Convento de Santo Antônio, Rua Gonçalves Dias e Confeitaria Colombo (opcional).

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