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Publicado em: 17/04/2008
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O poder feminino na invenção do inconsciente

Roni Filgueiras

 Divulgação/Uerj
 
 Halina Radecka (à esquerda) e Lucilia Tavares,
 na Colônia de Psicopatas do Engenho de Dentro
Lucilia Tavares, Elisa Dias Velloso, Halina Radecka, Glória Quintela, Alice Madeleine Galland Mira y López, Therezinha Lins de Albuquerque. Na pesquisa intitulada “Entre mulheres inventadas e inventoras na psicologia brasileira”, Ana Maria Jacó-Vilela e sua equipe de pesquisadores do Instituto de Psicologia da Uerj tentam resgatar dos escombros da história da psicologia brasileira estas e outras personalidades femininas. Figuras tão marcantes e atuantes como desconhecidas do público. Elas que fizeram uma larga carreira em instituições de ensino e na literatura especializada, mas que, segundo Ana Maria Jacó Vilela, foram relegadas ao esquecimento, uma marca da (des)memória brasileira.

Hoje, numa profissão tida como feminina – 90% dos  profissionais de psicologia são mulheres –, Ana Maria chama a atenção para uma contradição: “Estudamos só os pensadores da psicologia, os homens. A Lucilia Tavares, por exemplo, foi a primeira mulher a escrever livros sobre o tema, como Psicologia do pensamento, em 1930”, lembra Ana Maria. “Era professora primária e foi trabalhar no Laboratório de Psicologia da Colônia de Psicopatas de Engenho de Dentro, hoje, o Instituto Municipal de Assistência à Saúde Nise da Silveira. Lá só havia homens como funcionários e uma única mulher, a esposa do diretor do laboratório, o psicólogo polonês Waclaw Radecki. O que ela foi fazer lá? Não sabemos. Não existe nada sobre ela, nem em livros da história da psicologia no país. O que me leva a dizer que existe um descaso com o papel feminino. Fica nítida a posição subordinada das mulheres”, constata.

“Entre mulheres inventadas e inventoras na psicologia brasileira” é o desdobramento de um projeto anterior sobre as teses de conclusão de curso da Faculdade Nacional de Medicina, entre 1830 a 1930. A própria congregação determinava os temas do ano. “Levantamos o que era abordado sobre psicologia na universidade, pois a psicologia no país começou como disciplina médica. Entre as teses sobre o universo da mulher, eles estudavam temas como o que é a biologia, a fragilidade, a psicologia feminina.” Só a partir dos anos de 1930 a psicologia se torna autônoma, desvinculada da medicina.

Até os anos 1940-1950, a única profissão destinada às mulheres era a de educadora, no recesso do lar e, depois, nas escolas, como lembra Ana Jacó. “A mulher era aquela que educa os filhos e coloca o marido no bom caminho. É o chamado processo de higienização, que surge na época da Revolta da Vacina, com a valorização das noções de higiene que se estendem à casa, aos filhos, à cidade, aos corpos.” Só a partir dos anos de 1930, a psicologia se torna autônoma, desvinculada da medicina.

É exatamente neste período que as mulheres começam a trabalhar em instituições voltadas para a psicologia. Ana Jacó e sua equipe centram o estudo em três instituições, as mais relevantes em dois momentos deste saber emergente, de 1930 a 1945 e de 1945 a 1960: o Centro de Orientação Juvenil (COJ) – hoje vinculado ao Hospital Fernandes Figueira, da Fiocruz –; o Instituto de Seleção e Orientação Profissional (Isop) –vinculado à FGV e fechado em 1990 –; e a cátedra de psicologia na Universidade do Brasil.

 Divulgação/Uerj
 
 Em foto de 1953, a equipe de funcionários do Instituto de
 Seleção e Orientação Profissional: mulheres são maioria
 
“Observamos que em torno do Departamento de Psicologia, da Universidade do Brasil, a presença era majoritariamente de homens, que se dedicavam apenas à pesquisa e ao ensino. No COJ e no Isop, havia estágio e inúmeros cursos de curta duração e são estes que atraem as mulheres, pois elas se reconhecem nesta modernidade, neste novo saber. É o movimento delas que faz com que surja uma demanda para a criação do curso de psicologia da PUC, em 1953, por exemplo.” Segundo a pesquisadora, também pode-se creditar às mulheres a legalização da profissão. “Foi o engajamento das interessadas na psicologia, como estudantes, normalistas, que freqüentavam as instituições, e as formadas em filosofia, letras e pedagogia, a partir dos anos 1940, que levou à regulamentação da profissão, em 1962. São as mulheres que criam as primeiras associações no Rio e São Paulo e inventam um tipo de psicologia: se envolvem com a prática, escrevem livros e artigos e assinam metade da produção da revista Arquivos brasileiros de psicotécnica (hoje, Arquivos brasileiros de psicologia).

As mulheres inventadas do título da pesquisa se refere às possibilidades de criação de uma mulher independente. Todas as personagens que vislumbraram uma rota de fuga para o feminino procuraram a psicologia porque este novo saber revelava uma mulher diferente, que trabalhava fora, não como educadora, papel mais tradicional até então, mas num contexto voltado para a pesquisa e o conhecimento do outro.  “Era uma chance também de se falar de coisas proibidas às mulheres, como o sexo, por um viés científico, e também de se conviver em um ambiente masculino.”

Ana Maria Jacó Vilela e sua equipe levantaram alguns nomes de destaque da profissão, pioneiras inventoras e que inventaram uma nova brasileira: Elisa Dias Velloso, uma pessoa carismática, atuou no COJ e no Isop, quando Emilio Mira y López, psiquiatra catalão exilado, era seu diretor; Glória Quintela, que assinou vários textos, o primeiro em 1935 e o último em 1972 – “Ela tem uma grande produção, mas não há maiores referências sobre ela.” Therezinha Lins de Albuquerque e Alice Mira y López também fazem parte das psicólogas de destaque nesta galeria feminina. Nascida em Recife, Therezinha Lins de Albuquerque tem formação acadêmica na pedagogia, mas dedica-se à psicologia por acreditar que a educação estava estagnada.

De todas, Alice é a que tem mais documentos a seu respeito: foi casada com Emilio Mira y López, um dos pioneiros da profissão no país. Ele se tornou uma figura de proa da área, nos anos 1950, quando o cenário possibilita a legitimização deste novo saber, que necessitava do reconhecimento social. Emilio abriu filiais do Isop em Recife e em Salvador, publicou 60 livros, que serviram para divulgar a psicologia, como Os quatro gigantes da alma. E criou vários testes, como o psicodiagnóstico miocinético, o PMK, usado em exame para habilitação de motoristas, que avalia características da personalidade. Enfermeira sanitarista de formação, depois de casada, Alice se engajou na divulgação da obra do marido. Ela corresponde ao padrão de mulher dos anos 1940. “A psicologia veio para mim pelo amor”, era o que costumava dizer.

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