O seu browser não suporta Javascript!
Você está em: Página Inicial > Comunicação > Arquivo de Notícias > Os anos dourados da educação e cultura popular
Publicado em: 27/03/2008
ATENÇÃO: Você está acessando o site antigo da FAPERJ, as informações contidas aqui podem estar desatualizadas. Acesse o novo site em www.faperj.br

Os anos dourados da educação e cultura popular

Vinicius Zepeda

 Reynaldo Stavale/Arquivo Camara 

     
  Congresso Nacional de Brasília, cidade-símbolo
  da modernização do país durante os anos JK

A história do Brasil entre o final dos anos 50 e meados dos anos 60 do século passado ficou marcada como um período de afirmação da identidade nacional, impulsionado por eventos como o bicampeonato mundial de futebol (1958 e 1962), a consagração internacional da bossa nova e do compositor e maestro Villa-Lobos, a modernização do país por meio do governo de Juscelino Kubitschek, entre outros. O símbolo maior dessa transformação foi a construção da nova capital, Brasília, no Centro-Oeste do país. “JK conseguiu disseminar uma onda de otimismo e esperança muito fortes”, diz o historiador Wagner da Silva Teixeira. Porém, com uma população que – de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – era, então, constituída de 40% de analfabetos (cerca de 16 milhões de pessoas), a promessa de construir um novo país parecia comprometida. A fim de reverter esse atraso na educação básica, vários movimentos em prol da alfabetização e da cultura popular surgiram naquele período. Em 2004, Teixeira decidiu investigar o assunto, transformando-o no tema de sua tese de doutorado em história na UFF (Universidade Federal Fluminense), Educação em tempos de luta: História dos movimentos de educação e cultura popular (1958-1964). O estudo teve apoio do edital Bolsa Nota 10 da FAPERJ.

 

Teixeira analisou os trabalhos desenvolvidos por diferentes entidades, como o Movimento de Educação de Base (MEB), a Campanha de Pé no Chão, o Movimento de Cultura Popular (MCP) a União Nacional dos Estudantes (UNE) e os Centros Populares de Cultura (CPCs). “Estes movimentos tiveram em comum o fato de serem organizados por agremiações de esquerda, pregarem não só a alfabetização como a conscientização e politização do povo e terem desaparecidos a partir do golpe militar de 64, exceto o MEB", explica Teixeira. "Todos eles lançaram cartilhas de alfabetização influenciadas pela Venceremos, cartilha usada pelo governo cubano, pouco tempo depois da ascensão de Fidel, e que reduziu o índice de analfabetismo naquele país de 23,5% para menos de 3% no prazo de um ano”, conta o historiador. “Antes disso, em 1958, foi realizado no Rio de Janeiro o II Congresso Nacional de Educação de Adultos (CNEA), que resultou na criação da Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo”, acrescenta.

 

No final dos anos 50, o rádio ainda era o principal veículo de comunicação no país. E foi por meio dele que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o governo federal e a Juventude Universitária Católica (JUC) levaram, a partir de 1961, escolas radiofônicas pelas regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Norte de Minas Gerais com a ajuda do MEB. “Este foi o primeiro movimento de educação à distância do país. O MEB teve uma atuação muito forte na sindicalização dos trabalhadores rurais. Em1963, quando foi criada a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag), metade de seus integrantes era formada por gente de lá”, esclarece.

 

Vinicius Zepeda 

   

Teixeira: estudo sobre o Brasil 
entre os anos de 1958 e 1964

 

No auge de sua atuação, em 1962, o MEB chegou a reunir cerca de 110 mil alunos. O movimento foi o único a sobreviver ao golpe militar de 64 e ainda hoje continua em atividade. “Sua orientação mudou bastante e agora o MEB tem uma atuação restrita à Amazônia, sem suas características originais, de esquerda, e de educação com politização e conscientização”, conta Teixeira. Criado em 1960, pelo então prefeito de Recife, Miguel Arraes, o MCP “surgiu a partir de uma rede de escolas públicas com o objetivo de democratizar o ensino e valorizar o folclore e uma cultura do povo por meio da criação de núcleos de teatro, cinema, artes, plásticas, entre outros”, diz o estudioso.


Entre os nomes que participaram do MCP estão o escultor Abelardo da Hora e os educadores Anita Paes Barreto e Paulo Freire. Morto em 1997, Freire, considerado um dos grandes educadores do século XXI, criou, em 1962 um revolucionário método de alfabetização em 40 horas com conscientização e politização do alfabetizado.

 

Em 1961, com a chegada de Djalma Maranhão à prefeitura de Natal, surge a Campanha de Pé no Chão Também se Aprende a Ler. O projeto, idealizado por comitês manifestadamente nacionalistas, propunha a erradicação do analfabetismo como prioridade de governo. “Como não havia a disponibilidade de instalações para acomodar as salas de aula, foram construídos acampamentos. Em visita para conhecer as obras, um jornalista reparou que as crianças aprendiam descalças, daí o nome Campanha de Pé no Chão”, lembra Teixeira.

 

A capital potiguar reunia, então, 160 mil habitantes, e em três anos a campanha registrou a matrícula de 34 mil alunos, além de criar um centro de formação de professores e praças de cultura. “A iniciativa desdobrou-se na Campanha de Pé no Chão também se Aprende uma Profissão, que qualificou 500 monitores, 32 orientadores/supervisores, obteve índices de aprovação escolar de 60% em 1961, e 85% em 1963. Tudo isso a um custo-aluno médio anual de menos de US$ 2”, diz Teixeira.
 

Esquerda católica assume o movimento estudantil em 1961

 

O ano de 1961 marcou a ascensão da esquerda católica no movimento estudantil com a chegada de Aldo Arantes à presidência da UNE. Um ano mais tarde, a JUC e a Igreja Católica – que apoiaria o movimento militar de 64 – se desentenderiam, o que levaria à criação da Ação Popular (AP). Na gestão de Arantes foram criados pelo ator e diretor teatral Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, os CPCs (Centros Populares da Cultura). Estes tiveram como objetivo promover a conscientização popular com a alfabetização de adultos e do incentivo a oficinas de manifestações culturais. “Os CPCs se espalharam pelo país com a experiência da UNE Volante, projeto idealizado por Aldo Arantes”, conta o pesquisador.

 

Reprodução 

     
   Cena do longa-metragem Cinco vezes favela
   maior destaque entre as produções do CPC
 
Outros intelectuais que participaram dos CPCs foram o diretor de teatro e criador do Teatro do Oprimido Augusto Boal, o músico de bossa nova Carlos Lyra, o poeta Ferreira Gullar, o cineasta, e um dos fundadores do cinema novo, Leon Hirszman, o ator e autor da peça teatral Eles não usam black-tie, Gianfrancesco Guarnieri, entre outros. “O longa-metragem brasileiro Cinco vezes favela foi o maior destaque produzido pelo CPC, que também começou, junto com o MCP as filmagens do documentário Cabra marcado para morrer, de Eduardo Coutinho”, lembra o historiador. Interrompidas em 1964, as filmagens foram retomadas anos depois pelo documentarista.

 

Em sua tese de doutorado, Teixeira aponta o ano de 1963 como marco importante para o estudo. Nesse período, é realizado, na capital pernambucana, o I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular, em que todos os movimentos por ele estudados aparecem representados. “Com a ajuda do Ministério da Educação e Cultura (MEC), o encontro propõe a criação de uma Coordenação Nacional de Cultura Popular”, diz historiador. “Quando então, Paulo de Tarso assume o MEC, durante o governo João Goulart, ele convida Paulo Freire para assumir a coordenação do recém-criado Programa Nacional de Alfabetização. Utilizando método criado pelo educador, o programa tinha como meta a alfabetização de 5 milhões de adultos em mais de 20 mil círculos de cultura. No Rio Grande do Norte, na cidade de Angicos, Freire consegue alfabetizar 300 trabalhadores rurais em 45 dias”.

 

Segundo o historiador, o período entre 1958 e 1964 ainda é pouco pesquisado e os estudiosos tendem a qualificar os movimentos da época de populistas. “Com isso, desqualificam a eficácia dessas iniciativas ao tratá-las como fruto de manipulação das massas populares”. Teixeira faz questão de esclarecer que não trabalha com o conceito de ‘populismo’ em seu estudo: “Ele engessa as interpretações e não permite perceber que as ações dos movimentos foram resultado de uma ação conjunta das três principais culturas políticas de esquerda da época, a trabalhista, a comunista e a cristã progressista", diz. "É claro que esses movimentos só aconteceram devido a iniciativas de homens públicos e políticos”, reconhece. “As esquerdas brigavam entre si, mas isso não as impediu de uma atuação conjunta no interior dos movimentos e na luta pelas reformas de base", analisa. “Lamento que o esforço de democratização da cultura e da educação no país à época tenha sido mal-interpretado pelo medo mundial que a ameaça comunista mantinha no mundo da Guerra Fria. Estes movimentos foram combatidos de forma cruel com o golpe de 64”, conclui o historiador.

Compartilhar: Compartilhar no FaceBook Tweetar Email
  FAPERJ - Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
Av. Erasmo Braga 118 - 6º andar - Centro - Rio de Janeiro - RJ - Cep: 20.020-000 - Tel: (21) 2333-2000 - Fax: (21) 2332-6611

Página Inicial | Mapa do site | Central de Atendimento | Créditos | Dúvidas frequentes