O seu browser não suporta Javascript!
Você está em: Página Inicial > Comunicação > Arquivo de Notícias > Ainda não cansei de ser sexy
Publicado em: 19/03/2008
ATENÇÃO: Você está acessando o site antigo da FAPERJ, as informações contidas aqui podem estar desatualizadas. Acesse o novo site em www.faperj.br

Ainda não cansei de ser sexy

Roni Filgueiras

Arquivo Pessoal

      

   Mirian não faz ginástica, regime, nem usa
   cremes e credita sua boa forma à genética


Mirian Goldenberg não aparenta seus 51 anos. Tem mãos de moça de 20, olhos claros e vivos de menina e rosto suave de quem aparenta 30 e poucos anos. Magra, estatura média, ativíssima, casada e apaixonada por sua profissão, essa professora do Departamento de Antropologia Cultural e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro credita sua boa forma e juventude à genética. Nunca fez plástica, não usa artifícios dermatológicos (no máximo, lança mão de um filtro solar, hábito recentemente adquirido para suas caminhadas na orla), não faz ginástica e nem regime. Mulheres de classe média, economicamente independentes, com formação de nível superior, habitantes dos grandes centros urbanos brasileiros, como a própria Mirian, diriam que se trata de uma moça pouco vaidosa.

Autora de livros que abordam o tema de gênero (entre eles, Infiel: notas de uma antropóloga, De perto ninguém é normal, Os novos desejos, Nu e vestido, Toda mulher é meio Leila Diniz, A outra), ela admite que a chegada da maturidade começou a ocupar sua mente quando completou 40 anos. Afinal, o que significa envelhecer para a brasileira? Com certeza, algo muito diferente do que significa para uma espanhola. E diametralmente oposto do que significa para uma alemã. “Ser uma mulher mais velha no Brasil não é o mesmo que ser madura na Alemanha”, atesta a professora, cuja última pesquisa sobre as relações do corpo na sociedade brasileira engendrou o livro O corpo como capital.

Quando apresentou conferências sobre o tema na Espanha e na Alemanha, aproveitou para fazer uma outra pesquisa, dessa vez sobre gênero, envelhecimento e corpo. Descobriu, estarrecida, que, para as alemãs, envelhecer significa muito mais que decrepitude. “As mulheres com mais de 50 anos na Alemanha, têm escolhas, elas não se preocupam em ter marido, elas se consideram no auge da vida, contabilizam suas realizações e planejam projetos para o futuro.” Mirian enfatiza que selecionou grupos muito específicos nos três países pesquisados. “Realizei sete grupos de discussão com mulheres entre 50 e 60 anos, de classe média, com nível universitário, inseridas no mercado de trabalho.”

Após os encontros na Europa, ela admite que voltou ao Brasil “em crise existencial”. “Na Alemanha, vi mulheres determinadas, que promovem a autovalorização, poderosas, coisa que não observo aqui”, desabafa. “No Brasil, a auto-imagem feminina está calcada no tripé corpo-marido-filhos, valores fundamentais para a brasileira”, afirma. “Quando chega aos 50, ela percebe que o corpo está decaindo, o marido está prestes a ir embora ou em busca de mulheres mais jovens e os filhos estão saindo de casa”, enumera Mirian, que diz que sua pesquisa é também uma forma de militância política. “Pretendo minimizar o estigma associado a uma fase natural da vida e ver por que razão no Brasil isso se dá de uma forma tão negativa.”

Uma das razões para esse descompasso, de acordo com Mirian, estaria na instabilidade econômica nacional. “Na Alemanha, o idoso se sente apoiado pelo Estado, existe um senso de autonomia, ele sabe que vai ficar amparado, não ficará decrépito e abandonado. Uma brasileira que entrevistei na Alemanha me disse que lá aprendeu a ser autônoma, mais independente. As alemãs têm isso e nós não. A brasileira se sente e se coloca como vítima e recorre a redes de relações para amenizar este desamparo.” Segundo Mirian, as alemãs vêem o comportamento de suas contemporâneas brasileiras com um certo sentimento de indignação. “Elas acreditam que precisar de um homem, ser tão dependente do olhar e do aval masculino, é falta de dignidade.” O que a pesquisadora testemunhou na relação entre homens e mulheres numa das maiores potências econômicas da Europa e do mundo é baseado na igualdade de gêneros.

 

Depois de fazer conferências em oito universidades na Alemanha, em junho e julho de 2007, a antropóloga seguiu para uma série de apresentações e discussões sobre o tema “Corpo, Gênero e Sexualidade na Cultura Brasileira”, na Universidade de Tarragona, na Espanha. Lá, ela promoveu novas rodadas de entrevistas. “As espanholas valorizam muito a família, lá também é fundamental o trabalho, mas a família é preponderante. Na Alemanha, o tema fundamental feminino é a gerência da vida. Não ter filhos, na Alemanha, é uma escolha tão legítima quanto ter.”

Para Mirian, o que viu nos dois países foram posições mais igualitárias e uma indistinção de gêneros. “Vi homens e mulheres dividindo e incorporando suas tarefas de casa. Na Alemanha e na Espanha, entre os casais que entrevistei, são os homens que cozinham, eles gostam e preferem essa tarefa. Acho até que merece um estudo mais aprofundado essa escolha pela cozinha. E eles invariavelmente são elogiados como cozinheiros por suas mulheres e se ocupam de tudo que diz respeito à cozinha: da lista do mercado às compras.”

Academia de ginástica, botox, laser, tratamentos de radiofreqüência contra estrias, celulite, rugas e até intervenções mais invasivas para apagar os sinais do tempo são as preocupações que rondam a cabeça das brasileiras, como enumera Mirian. “Enquanto isso, as alemãs se preocupam com a saúde e a qualidade de vida, quase não consomem maquiagem, não pintam os cabelos brancos, não fazem cirurgia plástica e se afirmam como emancipadas, o oposto radical das brasileiras”, diz.

A autora trabalha aqui o conceito de “imitação prestigiosa”, de Marcel Mauss. Segundo o sociólogo e antropólogo francês do século XX, “o conjunto de hábitos, costumes, crenças e tradições que caracterizam uma cultura também se refere ao corpo”. Ou seja, existe uma construção cultural dos corpos, em que se destacam determinados atributos e comportamentos, construindo-se então um corpo específico para cada sociedade. No caso da sociedade brasileira, não é à toa que os corpos dignos de imitação são os das modelos, atrizes e apresentadoras de TV. “A brasileira parece querer ser sexy até morrer, busca paralisar o corpo e o rosto nos 30 anos, mas também paralisa uma postura de ser mulher. Se não despertar desejo, ela encara isso como um fracasso, pois ser mulher, no Brasil, é ser sexy.” Uma das razões para isso estaria na própria dinâmica da formação do povo brasileiro por meio da união de corpos sexualizados – o do colonizador e o da colonizada, afirma, utilizando as idéias de Gilberto Freyre em Casa grande & senzala.

Mirian Goldenberg concordou com uma espanhola que, após a sua palestra, defendeu que o corpo é um capital tão valioso quanto os outros, apesar de ser tão duramente criticado pelas feministas e intelectuais: “Quem disse que esse capital, o corpo jovem e saudável, não é realmente um capital tão importante quanto os outros, ou seja, da mulher que vive da aparência tanto quanto a intelectual que vive das idéias?” No entanto, seu objetivo é tocar nesta ferida aberta que causa tanto mal-estar entre as brasileiras. O ideal não existe, responde Mirian, mas envelhecer nos tristes trópicos é ser estigmatizado. “Como brasileira, me senti destituída de poder porque no meu país envelhecer é uma perda de capital. Por que não posso viver, conquistar coisas e não sofrer por causa do estigma de estar envelhecendo?” A antropóloga aponta o que considera uma falácia nacional: o discurso vitimizado da brasileira, principalmente quando se queixa da falta de parceiros. O maior medo feminino, o de ser abandonada por marido na velhice, no fim, pode se revelar uma libertação. “Quando a velhice e o abandono acontecem, muitas mulheres se descobrem e administram bem a solidão e falam, finalmente, de uma liberdade conquistada.” Paradoxal? Uma discussão que ainda vai dar muito pano para mangas.

Compartilhar: Compartilhar no FaceBook Tweetar Email
  FAPERJ - Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
Av. Erasmo Braga 118 - 6º andar - Centro - Rio de Janeiro - RJ - Cep: 20.020-000 - Tel: (21) 2333-2000 - Fax: (21) 2332-6611

Página Inicial | Mapa do site | Central de Atendimento | Créditos | Dúvidas frequentes