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Publicado em: 30/08/2007
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Os sentidos sociais do dinheiro é tema de pesquisa na UFRJ

Vilma Homero

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Estudo comparativo mostra as relações
com dinheiro de argentinos e brasileiros
Para os economistas, ele é a moeda corrente, muitas vezes alvo de preocupação e de seguidos planos de estabilização em sociedades que convivem com períodos prolongados de inflação. Para o cotidiano das pessoas, no entanto, há uma série de nuances, com sentidos e noções mais complexos. Não é mais a entidade abstrata com que lidam os economistas, mas algo carregado de valores sociais. Para melhor explicar essas diferenças, o professor Federico Neiburg, do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social(PPGAS) do Museu Nacional/UFRJ, desenvolve a pesquisa Sentidos Sociais do Dinheiro. Perspectivas etnográficas sobre a economia contemporânea. O trabalho compreende várias linhas de investigação desenvolvidas no Núcleo de Pesquisa em Cultura e Economia (NuCEC), do PPGAS.

"Procuramos compreender o espaço que se situa entre o mundo do saber dos eruditos, no caso os economistas e seu modo de pensar o dinheiro de forma matemática, abstrata, e o modo qualitativo, carregado de valores, que ele assume para as pessoas comuns", explica Neiburg. O assunto já rendeu, no Núcleo, diversos trabalhos acadêmicos, como os que enfocam o aspecto religioso (Trabalho, mudança de vida e prosperidade entre fiéis da Igreja Universal e Os deuses vendem quando dão: os sentidos do dinheiro nas relações de troca do candomblé); estudos comparativos entre Brasil e Argentina sobre a experiência de conviver durante décadas com a inflação e com os métodos para combatê-la (Economistas e culturas econômicas no Brasil e na Argentina e As moedas doentes, os números públicos e a antropologia do dinheiro); ou mesmo as relações de consumo e ascensão social (Nova Sociedade Emergente: consumidores de produtos ou produção discursiva?).

Neiburg faz uma breve cronologia para desenvolver o tema. "No caso da inflação, os sentidos sociais do dinheiro estão particularmente ligados à história das crises econômicas e da instabilidade monetária que, no Brasil, se acentuam após o golpe de 64, atingindo o auge na hiperinflação das décadas de 1980 e 1990", fala. Para combater a "ação descontrolada do vírus da inflação", sociedades como a brasileira e a argentina foram seguidamente submetidas a tratamentos de emergência, e os economistas, como modernos money doctors, passaram a ocupar um espaço cada vez maior no cenário público.

O pesquisador explica que, em sua maioria, os economistas da época – reconhecidos como heterodoxos, já que procuravam legitimar suas terapias de estabilização monetária com base em princípios diferentes dos que justificavam as fórmulas implementadas até então – tinham alguns aspectos em comum, fossem argentinos ou brasileiros. Formados nas faculdades de economia de seus países, também haviam passado por universidades de prestígio dos Estados Unidos, o que lhes proporcionou não só o domínio de certas teses como valiosos contatos internacionais. No Brasil, em particular, esses profissionais mantinham ainda uma proximidade maior com as elites sociais e faziam parte de um universo de profissionais muito maior do que na Argentina.

Longamente educados na instabilidade monetária, brasileiros e argentinos assistiram a diversas operações que visavam a estabilização monetária: congelamento de preços, poupanças forçadas, novas moedas, deságios, tabelas de conversão e indexadores. Só de trocas de uma moeda nacional por outra, houve várias desde a década de 1960. Na Argentina, foram cinco: Pesos Moeda Nacional, Pesos Lei, Austrais, Pesos Convertíveis e Pesos. No Brasil, elas foram oito: Cruzeiro, Cruzeiro Novo, Cruzeiro, Cruzado, Cruzado Novo, Cruzeiro, Cruzeiro Real e Real.

A cada novo plano econômico e seus novos indicadores de medição de preços, surgia também a necessidade de explicar seu funcionamento à população não apenas pelos especialistas que os haviam criado, mas também pelos jornais diários, revistas de grande circulação, boletins de empresas e associações. Em 1964, logo após o golpe militar, nasciam a "correção monetária" e os reajustes de contratos e salários segundo as variações de uma moeda virtual, as ORTN (Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional). Ambos eram fruto do Programa de Ação Econômica do Governo e teriam longa vida no país. Na Argentina, entre 1978 e 1980, a "tablita" (tabela) de conversão peso/dólar, um dos primeiros ensaios de dolarização das transações correntes, também passava a fazer parte do cotidiano dos cidadãos comuns.

A percepção do cidadão comum

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Com inflação alta, argentinos se protegiam da
perda monetária trocando sua moeda por dólares
Convivendo com situações como essas, gerações sucessivas de brasileiros e argentinos aprenderam a fazer, com freqüência, rápidas contas de cabeça para calcular o custo de transações diárias. Aprenderam também a se defender dos efeitos nocivos da perda monetária e a aproveitar as oportunidades abertas pela instabilidade. "Em períodos de inflação prolongada, a percepção da perda diária do valor da moeda têm, entre outros efeitos, o de tornar instável a identidade das pessoas. No plano pessoal, por exemplo, isso envolve práticas e idéias relacionadas à percepção do risco de ruína das economias familiares. Assuntos que argentinos e brasileiros experimentaram, especialmente nos períodos em que o dinheiro foi confiscado ou ficou retido nos bancos, o que aconteceu algumas vezes na história recente dos dois países", lembra o pesquisador.

Outro aspecto, enfocado no trabalho de José Renato de Carvalho Baptista, doutorando do NuCEC, é o religioso. "Na vida social, dons e mercadorias circulam indistintamente pelas mesmas relações. Logo, o que os deuses vendem aos homens e o que os homens trocam entre si não pertencem a universos separados e distintos. Quando alguém, por exemplo, faz um jogo de búzios, um ebó, um despacho ou uma oferenda aos orixás, não está entrando em uma dimensão isolada ou purificada da vida real. Pelo contrário, essas relações ocorrem em espaços nos quais as coisas se encontram imbricadas de tal maneira que é possível perguntar se é justo o preço pago por um serviço religioso", escreve José Renato em seu trabalho. E prossegue: "Essas situações revelam que, no mundo social, o dinheiro é um elemento constitutivo das relações. No entanto, ao lado disso, há também a tensão e o constrangimento decorrentes da idéia de poluição do espaço sagrado da religião pelo domínio interessado do dinheiro, o que abre espaço para acusações de comércio com artigos de fé presentes também no universo religioso."

As pesquisas estão tendo ainda outros desdobramentos. Um deles foi a participação na criação, este ano, do Instituto Interuniversitário de Pesquisa em Porto Príncipe, no Haiti, e o lançamento de um ambicioso programa de pesquisas e formação de pesquisadores naquele país. Coube a Neiburg a coordenação do trabalho em rede do instituto. Explica-se: "Trata-se de um sonho antigo de colegas haitianos – inclusive de alguns que fizeram doutorado na nossa instituição, no Brasil –, que só se tornou possível dadas as condições políticas de relativa estabilidade que vive hoje o Haiti. O instituto conta com um laboratório de pesquisas sobre questões econômicas, mercado e dinheiro. Além disso, o Haiti também pode ser visto como um exemplo do que falamos. Sua moeda, o gourde, é muito antiga, mas de fraca legitimidade. No dia-a-dia, as pessoas costumam calcular os preços dos produtos e serviços utilizando uma outra moeda (o "dólar haitiano"), que nunca existiu materialmente, já que jamais foram impressas moedas ou notas. Trata-se de uma história que remonta à invasão americana daquele país em 1915, e que permite observar, no tempo, os sentidos sociais do dinheiro associados com questões cruciais da gênese social do estado haitiano", explica.

As pesquisas resultaram ainda em livros que darão espaço à coleção "Cultura e Economia". Um deles é a coletânea Quantificação e Temporalidade – Pespectivas etnográficas sobre economia, resultado de um colóquio internacional promovido pelo núcleo em 2005. Outros são Nas ruas de Ciudad del Este – Uma etnografia do comércio na fronteira, de Fernando Rabossi; Sujeitos e objetos do sucesso no Brasil emergente, de Diana Nogueira de Oliveira Lima; e o trabalho do próprio Neiburg, Inflação – Economistas e culturas econômicas no Brasil e na Argentina. Neiburg se entusiasma com os resultados, que em 2008 também abrangerão vários outros assuntos, como "comércio justo" no Peru, "economia solidária" no Brasil, e os estudos que já começam a ser desenvolvidos no Haiti.

 

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